quinta-feira, 5 de maio de 2022

A Divina Comédia: Dante Alighieri:



DE amor do pátrio ninho comovido, 
Essas dispersas folhas reunindo,
3 À sarça as dei, que tinha a voz perdido.
Ao limite, dali, fomos seguindo, 
Em que parte o recinto co' terceiro,
6 Onde a justiça horrível stá punindo.
Para expressar-lhe o aspecto verdadeiro, 
Eu digo que à charneca então chegamos, 
9 De plantas nua em seu espaço inteiro.
Da dor a selva a cerca dos seus ramos, 
Como o fosso a torneia sanguinoso:
12 Ali, rente co'a borda, os pés firmamos.
O plaino era tão árido e arenoso, 
Como o que de Catão os pés outrora
15 Na jornada calcaram fadigoso.
Ó vingança de Deus, quem não te adora 
Nos tremendos efeitos meditando,
18 Que eu próprio olhei, que a minha voz memora!
De almas nuas eu via infindo bando, 
Por modos diferentes torturadas,
21 Miseráveis, mesquinhas pranteando.
Jaziam sobre o dorso umas deitadas,
Outras, dobrando os membros, se assentavam,
24 Muitas andavam sempre aceleradas.
Maior a turba destas se mostrava, 
Menor a que, prostrada no tormento. 
27 Maior dor nos lamentos denotava.
Largas flamas com tardo movimento 
Choviam do areal em todo o espaço,
30 Qual neve em serra, quando é mudo o vento.
Na Índia sobre o exército, já lasso, 
Fogos cair viu Alexandre outrora,
33 No chão ardendo livres de embaraço.
Que aos pés no solo os calquem sem demora 
Suas falanges avisado ordena:
36 Matá-los um por um fácil lhes fora.

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