quinta-feira, 30 de maio de 2019

Poesia De Quinta Na Usina: Machado de Assis: VI:




Em vão! Contrário a amor é nada o esforço humano;
É nada o vasto espaço, é nada o vasto oceano.
Solta do chão abrindo as asas luminosas,
Minh'alma se ergue e voa às regiões venturosas,
Onde ao teu brando olhar, ó formosa Corina,
Reveste a natureza a púrpura divina!
Lá, como quando volta a primavera em flor,
Tudo sorri de luz, tudo sorri de amor;
Ao influxo celeste e doce da beleza,
Pulsa, canta, irradia e vive a natureza;
Mais lânguida e mais bela, a tarde pensativa
Desce do monte ao vale; e a viração lasciva
Vai despertar à noite a melodia estranha
Que falam entre si os olmos da montanha;
A flor tem mais perfume e a noite mais poesia;
O mar tem novos sons e mais viva ardentia;
A onda enamorada arfa e beija as areias,
Novo sangue circula, ó terra, em tuas veias!
O esplendor da beleza é raio criador:
Derrama a tudo a luz, derrama a tudo o amor.
Mas vê. Se o que te cerca é uma festa de vida,
Eu, tão longe de ti, sinto a dor mal sofrida
Da saudade que punge e do amor que lacera
E palpita e soluça e sangra e desespera.
Sinto em torno de mim a muda natureza
Respirando, como eu, a saudade e a tristeza;
É deste ermo que eu vou, alma desventurada,
Murmurar junto a ti a estrofe imaculada
Do amor que não perdeu, coa última esperança,
Nem o intenso fervor, nem a intensa lembrança.
Sabes se te eu amei, sabes se te amo ainda,
Do meu sombrio céu alma estrela bem-vinda!
Como divaga a abelha inquieta e sequiosa
Do cálice do lírio ao cálice da rosa,
Divaguei de alma em alma em busca deste amor;
Gota de mel divino, era divina a flor
Que o devia conter. Eras tu.
No delírio
De te amar — olvidei as lutas e o martírio;
Eras tu. Eu só quis, numa ventura calma,
Sentir e ver o amor através de uma alma;
De outras belezas vãs não valeu o esplendor,
A beleza eras tu: — tinhas a alma e o amor.
Pelicano do amor, dilacerei meu peito,
E com meu próprio sangue os filhos meus aleito;
Meus filhos: o desejo, a quimera, a esperança;
Por eles reparti minh'alma. Na provança
Ele não fraqueou, antes surgiu mais forte;
É que eu pus neste amor, neste último transporte,
Tudo o que vivifica a minha juventude:
O culto da verdade e o culto da virtude,
A vênia do passado e a ambição do futuro,
O que há de grande e belo, o que há de nobre e puro.
Deste profundo amor, doce e amada Corina,
Acorda-te a lembrança um eco de aflição?
Minh'alma pena e chora à dor que a desatina:
Sente tua alma acaso a mesma comoção?
Em vão! Contrário a amor é nada o esforço humano,
É nada o vasto espaço, é nada o vasto oceano!
Vou, sequioso espírito,
Cobrando novo alento,
N'asa veloz do vento
Correr de mar em mar;
Posso, fugindo ao cárcere,
Que à terra me tem preso,
Em novo ardor aceso,
Voar, voar, voar!
Então, se à hora lânguida
Da tarde que declina,
Do arbusto da colina
Beijando a folha e a flor,
A brisa melancólica
Levar-te entre perfumes
Uns tímidos queixumes
Ecos de mágoa e dor;
Então, se o arroio tímido
Que passa e que murmura
À sombra da espessura
Dos verdes salgueirais,
Mandar-te entre os murmúrios
Que solta nos seus giros,
Uns como que suspiros
De amor, uns ternos ais;
Então, se no silêncio
Da noite adormecida,
Sentires — mal dormida —
Em sonho ou em visão,
Um beijo em tuas pálpebras,
Um nome aos teus ouvidos,
E ao som de uns ais partidos
Pulsar teu coração;
Da mágoa que consome
O meu amor venceu;
Não tremas: — é teu nome,

Não fujas — que sou eu!






Crisálidas
Texto-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, vol. II,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Publicado originalmente no Rio de Janeiro, por B.-L. Garnier, em 1864.

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