25 DE NOVEMBRO DE 1861.
Itália — Por que não foi um embaixador a Koenigsberg?
— Uma heresia científica — Dois livros — A companhia italiana —
Uma carta.
Começo
por uma raridade, não uma dessas raridades vulgares de
que
fala uma personagem de teatro, mas uma raridade vulgarmente rara: —
o governo de acordo com a opinião.
Os
complacentes e os otimistas hão de rir; não assim os julgadores
severos;
esses dirão consigo: — é verdade! — A opinião havia
acolhido
com entusiasmo a unificação da Itália; o governo acaba de reconhecer
“com prazer” e sem delongas acintosas o novo reino Italiano.
Não é caso de milagre, mas também não é comum.
Afez-se
o país por tal modo a ver no governo o seu primeiro
contraditor,
que não pôde reprimir uma exclamação quando o viu
pressuroso
concluir o ato diplomático a que aludo. E por que não
havia
de fazê-lo? perguntará o otimista. Eu sei! Por descuido, por cortesania,
por qualquer outro motivo, mas a regra é invariável: o governo
sempre contrariou a opinião.
Mas a
Itália, ouço eu dizer, assenta hoje a sua existência política nas
mesmas bases da nossa: uniu-se para ser a Itália, e escolheu o governo
que achou melhor, como o império se unira para ser o império,
e como escolheu por uma revolução o governo que achou mais
compatível consigo e com os tempos. Quereria o governo brasileiro
ser ilógico ou ridículo? Não alcançaria ele a clareza e a firmeza
destes princípios?
Tudo
isso é verdade, mas não menos verdade, é que este absurdo que por
tamanho não parece entrar na cabeça de ninguém, existe na de
muita gente. Não há ainda quem espere pela volta do absolutismo a
Nápoles? Quem conte, para confusão dos maus, com a destituição
de
Victor Manoel, e do herói de Marsala? Podem,
é verdade, todas essas coisas acontecer; as vicissitudes humanas
concluem muitas vezes pelo absurdo, e pelo aniquilamento
dos
mais sãos princípios, mas as idéias ficam de pé, e o espírito,
abatido,
embora, não abdica de si.
Não
creio, ninguém pode crer, para honra nossa, que no espírito do governo
imperial existisse nunca uma convicção contrária ao ato do reconhecimento.
Mas nem por isso se pode contestar, que, por motivos
fúteis embora, o governo poderia, como em outras vezes,
comprometer
a opinião do país com uma nação estrangeira. E que
nação, a Itália! Uma das que a providência das nações destina para
ser um guia da raça latina, e conduzi-la através dos séculos ao aperfeiçoamento
moral e intelectual de que ela é capaz. Seria lamentável,
mas seria possível, e daqui vem que a imprensa e o país louvam
todos os atos do governo.
Existirá
nesse elogio contra as intenções do país, que o fez de coração,
um amargo epigrama? De quem a culpa? Do governo e só do
governo. Avezado a remar contra a opinião, este mau timoneiro, se
alguma vez volta o batel à feição da corrente dos espíritos, é logo
objeto
de mil cumprimentos, que lhe devem doer mais do que
dobradas
chufas.
E ele
anda agora em maré de epigramas; alguns bem bons nos lançaram
os alemães, a propósito de não haver na coroação do rei Guilherme
um embaixador brasileiro, bem que aquele soberano não ficasse
nem meio minuto à espera de que o Brasil tomasse parte na
função.
Ora, o
império foi realmente descortês e não praticou um ato de boa política.
Abstraindo da importância da farsa de Koenigsberg, tratavase de uma
potência de primeira ordem, de um soberano amigo, e de uma
fonte onde vamos procurar colonos quando precisamos lavrar
nossas
terras. Se não bastavam as duas primeiras considerações, a última
devia de ser digna de reparo do governo. Por que não atendeu a ela?
Já
ouvi, por suposição, que o governo não quis sem dúvida fazer gastos
enormes, a bem de manter convenientemente um embaixador
nosso, naquela estrondosa cerimônia. Mas, se é preciso
atender
a essa tristíssima contingência, se o bom senso do governo imperial
chega a descobrir estas dificuldades, porque não o ilumina a providência,
detendo-lhe a mão quando, com largueza, envia certas comissões
a Europa, e dão ajudas de custo a presidências de províncias,
despesas improdutivas, e diametralmente opostas ao programa
do gabinete? Essas migalhas fariam um pecúlio para dar que
gastar ao nosso embaixador, que demais, não precisava dar saraus
estrondosos nem ostentar a suntuosidade com que a França se
representou na pessoa do duque de Magenta.
A
conclusão forçada de tudo isto é que o governo foi descortês. Vale-lhe,
porém, a inspiração com que se apressou a respeito da Itália,
a negação que fez das regras comezinhas de polidez
internacional.
Outro
tanto pudesse eu opor à negação da ciência em favor do empirismo,
que no meio de uma corporação fez o diretor da Academia
de Medicina. Ouvi bem, ó vindouros, o diretor de uma
Academia
de Medicina!”Où la direction d'une académie va-t-elle se
nicher!”
Mas não
pasmemos, leitor amigo. Negar a ciência é negar a esposa, com que
se contraiu, depois de longo estudo, o consórcio íntimo do espírito
e dos princípios. Mas negar a publicidade, negar a discussão,
que são
a alma do sistema representativo, equivale a negar a liberdade,
a negar a própria mãe. Ora, se
o leitor recorrer aos “Anais” da sessão legislativa deste ou do ano
passado, há de ler no discurso de um membro da câmara vitalícia
a mais extravagante proposta, onde se suprimiam ou restringiam
profundamente aquelas duas condições de um sistema
livre.
Depois disto há que admirar? Lembra-me aquele quimérico de Jules Sandeau, que vendo a causa da
queda dos governos nos próprios
governos, suprimia-os, para acabar com este inconveniente, bem
como suprimia as leis, afim de se não atentar mais contra elas . Felizmente
o senso comum faz ouvidos de mercador, e o senador diretor
prega debalde aos peixinhos.
Os
tipos deste gênero são mais vulgares do que muita gente pensa:
—
espíritos medíocres, não podendo abraçar a amplidão do espaço em que
a civilização os lançou, olham saudosos para os tempos e as coisas
que já forma, e caluniam, menos por má vontade que por inépcia,
os princípios em nome dos quais se elevaram.
Deixando
de parte esses entes passivos que não podem servir de tropeço
à marcha das coisas, acho melhor voltarmos à folha nas ocorrências
da semana.
Representou-se,
há tempos, um drama no teatro Ginásio intitulado Sete de Setembro”, em que o Sr.
Dr. Valentim Lopes apareceu no nosso
mundo das letras. Esse drama acaba de ser publicado agora em
volume. Postos de parte certos pontos de composição, contra os quais
se oferecem muito boas razões, mas que não constituem defeitos
capitais, contém essa peça beleza de estilo e de arte digna de
menção. Mas fora inútil repetir agora e discutir a composição de que a
maioria de meus leitores sem dúvida terá velho conhecimento pela
exibição cênica. Também
um outro trabalho, que só é novo na forma por que acaba de ser
publicado, é o “Pequeno Panorama” do Sr. Dr. Moreira de Azevedo,
coleção de pequenos artigos que viram à luz pela primeira vez nas
colunas do “Arquivo Municipal”. É um volume precioso, onde a
história de muitas cidades e monumentos nossos se acha escrita, sem
pretensão, mais com visos de apontamentos que de brilhantes monografias. Não é o
primeiro serviço deste gênero que o Sr. Dr. Moreira de
Azevedo
presta as letras pátrias. Nisto
cifra-se o movimento da literatura propriamente dita da
semana
anterior.
Tivemos
no sábado a “Norma” pela companhia italiana. Foi noite da despedida.
Já se havia dado o “Ernani” por última récita, mas como verdadeiras
moças em visita, o público e a companhia quiseram trocar
os últimos amplexos no topo da escada. Também foram os mais
ardentes e entusiásticos. Posso dizer em minha consciência de comentarista
sincero, que foi essa a melhor representação da companhia
italiana. Em nenhuma das vezes anteriores a Sra. Parodi se
elevou a tanta altura no papel da sacerdotisa gaulesa. O
paquete do Prata levou ontem esses artistas que de passagem nos fizeram
gozar algumas noites de verdadeiro e completo prazer. Ouço dizer
que devem voltar em maio e passar aqui o inverno: Deus o queira.
Tenho
em mão uma carta de um amigo a propósito dos meus penúltimos
“comentários”. Em dicção castigada, e com aquela energia
dos observadores severos, fez o meu correspondente
algumas
considerações, que, se devo penetrar no vago da carta, são aplicados
à situação em que se acha a nossa arte dramática.
Bem que
a magnanimidade do mestre o levasse a dizer que de minhas
migalhas se sustenta, declaro aqui, que não migalhas, mas sim
escolhida e boa iguaria traz ele à mesa do pobre operário, sem prestígio,
sem saber, e talvez sem talento.Agradeço-lhe a carta e as
atenções.
Termino
anunciando a próxima publicação de uma revista semanal – A
“Grinalda” – onde cada um pode levar a sua flor e a sua folha a entrelaçar.
Redige-a
o Sr. Dr. Constantino Gomes de Souza, cujas aptidões se acham
já reconhecidas pelo público, e que deve cumprir o programa a que
se propõe.
Gil.
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