No acaso da rua o
acaso da rapariga loira.
Mas não, não é
aquela.
A outra era
noutra rua, noutra cidade, e eu era outro.
Perco-me
subitamente da visão imediata,
Estou outra vez
na outra cidade, na outra rua,
E a outra
rapariga passa.
Que grande
vantagem o recordar intransigentemente!
Agora tenho pena
de nunca mais ter visto a outra rapariga,
E tenho pena de
afinal nem sequer ter olhado para esta.
Que grande
vantagem trazer a alma virada do avesso!
Ao menos
escrevem-se versos.
Escrevem-se
versos, passa-se por doido, e depois por gênio, se calhar,
Se calhar, ou até
sem calhar,
Maravilha das
celebridades!
Ia eu dizendo que
ao menos escrevem-se versos...
Mas isto era a
respeito de uma rapariga,
De uma rapariga
loira,
Mas qual delas?
Havia uma que vi
há muito tempo numa outra cidade,
Numa outra
espécie de rua;
E houve esta que
vi há muito tempo numa outra cidade
Numa outra espécie
de rua;
Por que todas as
recordações são a mesma recordação,
Tudo que foi é a
mesma morte,
Ontem, hoje, quem
sabe se até amanhã?
Um transeunte
olha para mim com uma estranheza ocasional.
Estaria eu a
fazer versos em gestos e caretas?
Pode ser... A rapariga
loira?
É a mesma
afinal...
Tudo é o mesmo
afinal ...
Só eu, de
qualquer modo, não sou o mesmo, e isto é o mesmo também afinal.
Poemas de Álvaro de Campos
Fernando Pessoa
Fonte: http://www.secrel.com.br/jpoesia/facam.html
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