Acordar da cidade
de Lisboa, mais tarde do que as outras,
Acordar da Rua do
Ouro,
Acordar do Rocio,
às portas dos cafés,
Acordar
E no meio de tudo
a gare, que nunca dorme,
Como um coração
que tem que pulsar através da vigília e do sono.
Toda a manhã que
raia, raia sempre no mesmo lugar,
Não há manhãs
sobre cidades, ou manhãs sobre o campo.
À hora em que o
dia raia, em que a luz estremece a erguer-se
Todos os lugares
são o mesmo lugar, todas as terras são a mesma,
E é eterna e de
todos os lugares a frescura que sobe por tudo.
Uma
espiritualidade feita com a nossa própria carne,
Um alívio de
viver de que o nosso corpo partilha,
Um entusiasmo por
o dia que vai vir, uma alegria por o que pode acontecer de bom,
São os
sentimentos que nascem de estar olhando para a madrugada,
Seja ela a leve
senhora dos cumes dos montes,
Seja ela a
invasora lenta das ruas das cidades que vão leste-oeste,
Seja
A mulher que
chora baixinho
Entre o ruído da
multidão em vivas...
O vendedor de
ruas, que tem um pregão esquisito,
Cheio de
individualidade para quem repara...
O arcanjo
isolado, escultura numa catedral,
Siringe fugindo
aos braços estendidos de Pã,
Tudo isto tende
para o mesmo centro,
Busca
encontrar-se e fundir-se
Na minha alma.
Eu adoro todas as
coisas
E o meu coração é
um albergue aberto toda a noite.
Tenho pela vida
um interesse ávido
Que busca
compreendê-la sentindo-a muito.
Amo tudo, animo
tudo, empresto humanidade a tudo,
Aos homens e às
pedras, às almas e às máquinas,
Para aumentar com
isso a minha personalidade.
Pertenço a tudo
para pertencer cada vez mais a mim próprio
E a minha ambição
era trazer o universo ao colo
Como uma criança
a quem a ama beija.
Eu amo todas as
coisas, umas mais do que as outras,
Não nenhuma mais
do que outra, mas sempre mais as que estou vendo
Do que as que vi
ou verei.
Nada para mim é
tão belo como o movimento e as sensações.
A vida é uma
grande feira e tudo são barracas e saltimbancos.
Penso nisto,
enterneço-me mas não sossego nunca.
Dá-me lírios,
lírios
E rosas também.
Dá-me rosas,
rosas,
E lírios também,
Crisântemos,
dálias,
Violetas, e os
girassóis
Acima de todas as
flores...
Deita-me as
mancheias,
Por cima da alma,
Dá-me rosas,
rosas,
E lírios
também...
Meu coração chora
Na sombra dos
parques,
Não tem quem o
console
Verdadeiramente,
Exceto a própria
sombra dos parques
Entrando-me na
alma,
Através do
pranto.
Dá-me rosas,
rosas,
E llrios
também...
Minha dor é velha
Como um frasco de
essência cheio de pó.
Poemas de Álvaro de Campos
Fernando Pessoa
Fonte: http://www.secrel.com.br/jpoesia/facam.html
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