Para Jésus
Rocha, amigo de D. J., Sebastião Martins,
guia de D. J. em Paris
e Antônio Martins
da Costa, que conheceu D. J. no Brasil.
ATO Nº 1
(Prólogo: o
homem magro dos óculos escuros conta o que sabe, na sala do tribunal,
sobre um morto, de nome D. J., que está sendo
julgado. É a primeira testemunha a ser ouvida no processo que os jornais chamam de "O
Misterioso Caso de D. J.". Na manhã seguinte, um repórter o descreveu
assim: . . tirava e punha os óculos sem parar, fumou sete cigarros e o Hollywood sem filtro tremia na mão
dele"; deturpou os fatos por amizade a D. J., como disse o promotor
público, e foi acusado em dois ou três editoriais, sendo
que um deles na primeira
página, de inventar
uma história fantástica sobre
uma Mulher Azul que fala com uma voz de
frevo tocando.)Le brésilien D. J.:
era assim que a gente chamava D. J.
naquelas noites em que ficávamos
até não sei que horas batendo papo no bar "Flor de Minas",
lembro que os trens apitavam lá na estação Central do Brasil, eram uns apitos chorados e roucos e mui
tristes, doía como uma faca furando uma coisa que a gente nem tinha mais (mão
ou perna amputada), e D. J. que não bebia nem nada, só tomava sua água tônica,
tossia aquele nó na garganta e
falava que em Paris havia mulheres azuis. Era na hora em que os trens apitavam e
dava aquilo em todos nós
que D. J. lembrava das
mulheres azuis, chamava-as de "femmes bleues".
D. J. era professor de francês e até para pedir sua água tônica à garçonete Odete
ele falava em "la bouteille et le verre"; e nós esvaziávamos uma fila de Brahmas (mas
faço questão de não deixar
dúvida: D. J. só bebia
água tônica, quando muito tomava uma Coca-Cola) e ficávamos ouvindo D. J.
contando aquilo das mulheres azuis: elas iam à
Ile de St. Louis,
falavam com uma voz de frevo tocando e - é como se eu ouvisse de novo a voz de
D. J. - quem tivesse sorte podia ver as
sardas nas costas delas, umas sardas feitas
pelo sol de algum mar. D. J. parecia outro, os olhos dele brilhavam e ele
dizia que ia para Paris no mês que vem. Custo a
acreditar que D. J. morreu, mas afinal de contas, o jornal disse que ele está morto,
então deve ser verdade; para mim, no entanto,
le brésilien D. J. está vivo,
está aqui: tinha uma cicatriz no supercílio esquerdo, um mistério: eu nunca
soube como surgiu aquela cicatriz; ele era magro, louro como um inglês, mais ou menos 1 metro e 75 de altura, e,
segundo mistério: tinha hora que D.
J. parecia ter 45 anos, outras horas ficava
com 29 anos. Era solteiro por amor:
terceiro mistério. As mulheres feias achavam D. J. horrível, mas as belas
gostavam dele, e D. J. teve quantas quis, até o dia em que descobriu
que só as mulheres azuis faziam os homens felizes.
"Diz uma coisa D. J.", falava não lembro se o Antônio ou o Geraldo,
"o que a gente sente quando vê uma mulher
azul?" "A gente
fica como se uma lua tivesse entrado dentro
da gente. Mas é preciso estar em estado de graça para ver uma 'femme
bleue'..." E, se um de nós
perguntava se no Brasil não havia mulheres azuis, D.J. respondia que
sim, havia, mas a safra de "femmes bleues" no Brasil era muito
pequena, cada vez menor, não dava para todos, o jeito era mesmo ir para Paris
no mês que vem. Uma noite, fico em dúvida sobre
quem fez a brincadeira, alguém pôs
gim na água
tônica de D. J., sem que
ele visse, e D.J. ficou com 29
anos, falou numa mulher azul brasileira que tinha um ar de nuvem, depois olhou a noite e disse que aquela era a lua
mais desperdiçada do mundo, e
cantarolou uma música, escuto a voz dele cantarolando:
"É, você
que é feita de azul me deixa morar neste azul
me deixa
encontrar minha paz você que é bonita demais..."
Ele tirou do
bolso um passaporte gasto de tanto nos mostrar e disse que ia para Paris. Foi a
última vez que eu o vi.
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