sexta-feira, 11 de junho de 2021

Contos do Sábado Na Usina: Roberto Drummond: A morte de D.J. em Paris:

                                 
   

Para Jésus Rocha, amigo de D. J., Sebastião Martins, guia de D. J. em Paris e Antônio Martins da Costa, que conheceu D. J. no Brasil.

 ATO Nº 1

 (Prólogo: o homem magro dos óculos escuros conta o que sabe, na sala do tribunal, sobre um morto, de nome D. J., que está sendo julgado. É a primeira testemunha a ser ouvida no processo que os jornais chamam de "O Misterioso Caso de D. J.". Na manhã seguinte, um repórter o descreveu assim: . . tirava e punha os óculos sem parar, fumou sete cigarros e o Hollywood sem filtro tremia na mão dele"; deturpou os fatos por amizade a D. J., como disse o promotor público, e foi acusado em dois ou três editoriais, sendo que um deles na primeira página, de inventar uma história fantástica sobre uma Mulher Azul que fala com uma voz de frevo tocando.)Le brésilien D. J.: era assim que a gente chamava D. J. naquelas noites em que ficávamos até não sei que horas batendo papo no bar "Flor  de Minas", lembro que os trens apitavam lá na estação Central do Brasil, eram uns apitos chorados e roucos e mui tristes,  doía como uma faca furando uma coisa que a gente nem tinha mais (mão ou perna amputada), e D. J. que não bebia nem nada, só tomava sua água tônica, tossia aquele nó na garganta e falava que em Paris havia mulheres azuis. Era na hora em que os trens apitavam e dava aquilo em todos nós que D. J. lembrava das mulheres azuis, chamava-as de "femmes bleues". D. J. era professor de francês e até para pedir sua água tônica à garçonete Odete ele falava em "la bouteille et le verre"; e nós esvaziávamos uma fila de Brahmas (mas faço questão de não deixar dúvida: D. J. só bebia água tônica, quando muito tomava uma Coca-Cola) e ficávamos ouvindo D. J. contando aquilo das mulheres azuis: elas iam à Ile de St. Louis, falavam com uma voz de frevo tocando e - é como se eu ouvisse de novo a voz de D. J. - quem tivesse sorte podia ver as sardas nas costas delas, umas sardas feitas pelo sol de algum mar. D. J. parecia outro, os olhos dele brilhavam e ele dizia que ia para Paris no mês que vem. Custo a acreditar que D. J. morreu, mas afinal de contas, o jornal disse que ele está morto, então deve ser verdade; para mim, no entanto, le brésilien D. J. está vivo, está aqui: tinha uma cicatriz no supercílio esquerdo, um mistério: eu nunca soube como surgiu aquela cicatriz; ele era magro, louro como um inglês, mais ou menos 1 metro e 75 de altura, e, segundo mistério: tinha hora que D. J. parecia ter 45 anos, outras horas ficava com 29 anos. Era solteiro por amor: terceiro mistério. As mulheres feias achavam D. J. horrível, mas as belas gostavam dele, e D. J. teve quantas quis, até o dia em que descobriu que só as mulheres azuis faziam os homens felizes. "Diz uma coisa D. J.", falava não lembro se o Antônio ou o Geraldo, "o que a gente sente quando vê uma mulher azul?" "A gente fica como se uma lua tivesse entrado dentro da gente. Mas é preciso estar em estado de graça para ver uma 'femme bleue'..." E, se um de nós perguntava se no Brasil não havia mulheres azuis, D.J. respondia que sim, havia, mas a safra de "femmes bleues" no Brasil era muito pequena, cada vez menor, não dava para todos, o jeito era mesmo ir para Paris no mês que vem. Uma noite, fico em dúvida sobre quem fez a brincadeira, alguém pôs gim na água tônica de D. J., sem que ele visse, e D.J. ficou com 29 anos, falou numa mulher azul brasileira que tinha um ar de nuvem, depois olhou a noite e disse que aquela era a lua mais desperdiçada do mundo, e cantarolou uma música, escuto a voz dele cantarolando:

 "É, você que é feita de azul me deixa morar neste azul

me deixa encontrar minha paz você que é bonita demais..."

Ele tirou do bolso um passaporte gasto de tanto nos mostrar e disse que ia para Paris. Foi a última vez que eu o vi.


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