quarta-feira, 17 de junho de 2020

Poesia de quinta na Usina: Augusto dos Anjos: História de um Homem vencido II:




Noute! O silêncio vinha entrando pelo mundo E ele, 
lúgubre e só, trôpego e cambaleando Foi-se arrastando, 
foi aos poucos se arrastando,
Para as bordas fatais dum precipício fundo!
Quis um momento ainda olhar para o Passado...
E em tudo que o rodeava, oito vezes, funéreo Horrorizado 
viu como num cemitério Cadáveres de um lado e cinzas de outro lado!
De súbito, avistando uma frondosa tília Julgou, louco, avistar a ÁRvore da Esperança...
E bateram -lhe então de chofre na lembrança A casa que deixara, os filhos, a família!
Não morreria, pois! Somente morreria Se da Vida, sozinho, ele pisasse os trilhos...
Que mal lhe haviam feito a esposa e a irmã e os filhos?! Preciso era viver! Portanto, viveria!
Viveria! E a fecunda e deleitosa seara Verde dos campos, onde arde e floresce a Crença,
Compensaria toda a sua dor imensa Tal qual o Céu a dor de Cristo compensara!
E aos tropeços, tombando, o Velho caminhava...
Caminhava, e a sonhar, bêbado de miragem, Nem viu que era chegado o termo da viagem, E amplo, 
a rugir-lhe aos pés, o precipício estava.
Num instante viu tudo, e compreendendo tudo, 
Quis fazer um esforço -- o último esforço, 
e o braço Pendeu exangue, o peito arqueou-se, 
o cansaço Empolgara-o, e ele quis falar e estava mudo!
Mudo! E a quem contaria agora as suas mágoas?! 
E trágico, no horror brutoda despedida
Abraçou-se com a Dor, abraçou-se com 
a Vida E sepultou-se ali no coração das águas!
Cantavam muito ao longe uns carmes doloridos! 
Eram tropeiros, era a turba trovadora
Que assim cantava, enquanto a Terra Vencedora 
Celebrava ao luar a Missa dos Vencidos!
E o cadáver, a toa, a flux d’água, flutua! Ninguém o vê, 
ninguém o acalenta, o acalenta...
Somente entre a negrura atra da terra poenta Alguém beija, 
alguém vela o cadáver: a Lua!


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