domingo, 27 de novembro de 2022

Crônicas de Segunda na Usina: Machado de Assis:15 DE JUNHO DE 1863:


Confirma-se a notícia da morte de João Francisco Lisboa, mais conhecido pelo pseudônimo de Timon. Faleceu em Lisboa, no dia 25 de abril, na idade de 49 anos, deixando ao nosso país a glória de um nome respeitado entre os mais eminentes. Todos os que conhecem seus escritos dispensam da minha parte uma enumeração dos seus raros e elevados dotes, de seus profundos e sólidos estudos. A sua obra sobre o Padre Antonio Vieira virá confirmar a alta conta em que o tinham os seus compatriotas e todos quantos apreciam as boas letras. 

Dizem que J. F. Lisboa se dispunha a escrever a história do Brasil para o que coligia documentos. É realmente para doer que a morte o viesse arrebatar antes de realizada essa tarefa. As páginas da história brasileira receberiam deste modo aquela robustez de estilo e alta apreciação que faziam supor nas mãos de Timon a pena de Tácito. 
Os seus escritos vão ser publicados a expensas de Sua Majestade o Imperador. 
A morte de J. F. Lisboa deve contristar por mais de um motivo. Não é só a perda de tão ilustre brasileiro que há a sentir, senão também o medíocre efeito que esse triste acontecimento produziu. Como há muito mais de que falar, com um livro termino este escasso capítulo. O livro é o 2.° volume das lições de história pátria do Sr. Dr. Macedo. Sabem todos que o excelente poeta da Nebulosa estuda e sabe a fundo a história nacional, a que se dedica como um homem que lhe conhece a importância. Estes livros são destinados ao uso da mocidade. 
Os que estimam as letras vão ter ocasião de apreciar uma novidade no país e ao mesmo tempo vão ter conhecimento de obras inéditas de autores conhecidos e estimados. Os meus leitores hão de lembrar-se de uma carta que publiquei, escrita pelo Sr. A. de Pascual ao Sr. Zaluar. 
Era um convite para instituir leituras públicas ao uso da Inglaterra e Alemanha. Não se efetuou a reunião necessária e anunciada, e as leituras não se fizeram como fora de desejar. Entretanto a idéia ficou, e o Sr. Zaluar pretende realizá-la dentro de poucos dias. O primeiro curso é de seis leituras, como simples ensaio, a ver se o nosso público possui a necessária atenção, concentração e gosto para diversões dessa natureza. 
Não desejo outra coisa mais do que o bom resultado da tentativa, a respeito da qual devem caber muitos louvores ao poeta das Revelações. 
A imprensa conta mais um legionário, mas legionário tal que me coloca em uma difícil posição sobre o que lhe direi. O Sr. L. de Nerciat acha-se a frente de um jornal francês intitulado Le Nouvelliste de Rio de Janeiro. Suas vistas acerca do Brasil são, como declara, as mais cordatas e bem dispostas. É, entretanto, um órgão do partido legitimista, cuja bandeira hasteou, sem rebuço ou reserva. Ora, semelhante bandeira nesta terra faz o efeito do calção e meia de seda entre as calças largas da civilização. A discussão dessas idéias destina-se unicamente à população francesa; mas, não interessando, nem pela singularidade, ao resto da população e nem a uma boa parte daquela, não creio no sucesso do Nouvelliste. 
Seja-lhe, entretanto, levada em conta a sua boa vontade a nosso respeito. Ponham-se de parte aquelas convicções; a pena do Sr. De Nerciat deseja acertar no estudo de nossas coisas. Se puder conservar a separação devida entre os dois objetos a que se destina a sua gazeta, terá a gratidão de todos, certos como estão todos de que, em terra americana, as suas opiniões antiquadas não convencem nem arrastam ninguém. 
Está o bispado do Rio de Janeiro acéfalo. Faleceu na idade de 65 anos o Sr. D. Manoel do Monte Rodrigues de Araujo, conde de Irajá, autor de várias obras de teologia e moral. É coisa, que todos sabem. O que ninguém ainda sabe é sobre quem recairá a escolha do governo para substituir o finado prelado. 
Essa escolha será das mais difíceis; precisa-se de um prelado altamente enérgico e ilustrado, que se compenetre da sua missão e faça do clero aquilo que ele não é; um prelado cuja força possa esmerilhar nesse corpo mais fanático que religioso, mais intolerante que instruído, os elementos puros ou aproveitáveis e com eles empreender a obra árdua de uma regeneração. 
Tenho fugido hoje ao enlace dos períodos e faço nos assuntos verdadeiros saltos mortais. Assim o pede a hora. 
Foi o leitor ouvir o Sr. Croner? Perdeu se não foi. Este artista que como é sabido, foi buscar em Londres a consagração do seu talento, justificou os juízos anteriores. 
Em um instrumento tão ingrato como é o clarinete, sabe o Sr. Croner despertar as mais gratas harmonias. Pelo que respeita aos segredos da arte, ouvi a seu respeito honrosas palavras. O Sr. Croner pretende dar ainda um concerto, depois do que irá ao Rio da Prata. 
Se o leitor é curioso, e ainda não ouviu o Sr. Croner, vá, no dia 19 ao Ginásio. 
Terminarei transcrevendo para aqui a Carta que o nosso ilustre poeta Gonçalves Dias escreveu de Dresde ao Dr. Antonio Henrique Leal, no Maranhão: 
“Desde o começo deste ano que estou lutando com um ataque de reumatismo, que me tem feito ver as estrelas e esgotado a pouca soma de paciência com que Deus foi servido dotar-me. Há dois dias que não me levanto, mal posso andar de fraqueza e escrevo com dificuldade.” 
“Assim, pois, antes de partir para Carlsbad, a fim de consertar o meu fígado e de ver se me desaparece um resto de ascite que me ficou, tenho de ir aos banhos de Tiplitz, aqui nas vizinhanças de Dresde, a ver se as minhas juntas querem tomar juízo.” 
“Todo o ano passado foi perdido para mim, e este vai ainda pelo mesmo teor: levanto-me da cama agora. Maio passo em Tiplitz, junho e julho em Carlsbad, depois mais um, ou dois meses de resguardo, lá se vai o ano.” 
”Quando me convencer de que isto não ata nem desata, tomo uma resolução, o adeus. Vou-me para o nosso Maranhão até que os tempos mudem, se mudarem.”

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