O CONTRABANDO
A Valentim Magalhães II
Estamos numa tarde de março de 1891. Geraldo dá um dos seus passeios habituais pela rua do Ouvidor; para defronte da vitrine do Preço Fixo, e sente alguém pousar-lhe a mão nos ombros. Volta-se, e reconhece o Tavares, que fora seu condiscípulo no colégio Marinho, - um grande estróina que se ensaiou sem resultado em três ou quatro profissões diversas, e tem agora muito dinheiro, ganho na rua da Alfândega em transações da Bolsa.
— Oh, Geraldo, andava morto por encontrar-te! Ia escrever-te amanhã...
— Estou às suas ordens.
— És ainda muito urso?
— Sou e serei. Bem sabes que há dez anos, desde que perdi minha mulher, perdi também toda a alegria, é só me comprazo na solidão e no silêncio. Se me encontras na rua do Ouvidor, é porque, depois de azoinado por este bulício, acho ainda mais deliciosa a paz do meu tugúrio.
— Bem, mas vais sacrificar-me um dia, um dia só, desse isolamento com que comprazes: hás de jantar comigo quinta feira.
— Eu?!
— Tu, sim; nesse dia faço quarenta anos, e quero reunir à mesa alguns amigos da minha idade.
— Sabes lá o que dizes, desgraçado! Os meus quarenta iriam ensombrar os seus! Pois queres à tua mesa contemplativo, um urso, como tu mesmo me classificas?
— Faço questão da tua presença!
— Não! não vou! não contes comigo! Há dez anos janto sozinho, ou, quando muito, em companhia de minha filha!
— Há dez anos que não jantas...
— Gosto de ti, sou teu amigo, considero-te muito, mas não terei o menor prazer neste jantar de anos.
— Oh, grande tipo, sê misantropo, mas - que diabo! - não sejas desse modo egoísta! Não se trata do teu prazer mas do meu, entendes tu? Exijo um sacrifício de tua parte, bem sei; mas, como te declaras meu amigo, tens o dever de te submeteres à minha vontade! Vens a contra gosto?... que me importa!... o essencial é que venhas! Quem te mandou ter quarenta anos! Agüenta-te!
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