sábado, 2 de julho de 2022

Contos do Sábado na Usina: Artur Azevedo:

 




A “RÉCLAME’ 
A Assis Pacheco I 

Era um domingo. O comendador Viana acabou de almoçar, sentou-se numa cadeira de balanço, cruzou as mãos sobre o ventre, atirou o olhar pela janela escancarada que enchia de ar e luz a sala de jantar, e viu, no jardim vizinho, um homem a escrever, sentado à sombra de um caramanchão. 
— Ó menina. dá cá o binóculo. 
Laura, a esposa do comendador Viana, trouxe-lhe o binóculo, que ele assestou contra o homem do caramanchão. 
— Não me enganava: é ele... é o tal Passos Nogueira!... 
— Que Passos Nogueira? perguntou Laura. 
O comendador não respondeu; voltou-se para a criada, que levantava a mesa, e interpelou-a: 
— Aquele sujeito mora ali há muito tempo? Você deve saber... 
— Que sujeito? 
— Aquele que está escrevendo acolá, no jardim da casa de pensão, - não vê? 
— Ah! o poeta? 
— Quem lhe disse a você que ele é poeta? 
— É como o ouço tratar na vizinhança. Já ali morava quando viemos para esta casa. 
— Entretanto, observou Laura, estamos aqui há oito meses e é a primeira vez que o vejo. 
— Deveras? perguntou dentre dentes o comendador, com um olhar de desconfiança. 
— Ora esta! murmurou Laura, muito admirada da inflexão e do olhar do marido. 
— Parece impossível que minha ama não tenha reparado, acudiu a criada, porque o poeta vai todas as manhãs e todas as tardes escrever naquele lugar. 
— Todas as manhãs? indagou o dono da casa levantando-se. 
— E todas as tardes, repetiu ingenuamente a criada. E foi par a cozinha. 
— Viana, obtemperou Laura, aproveitando a ausência da criada, você faz uma coisas esquisitas! Esta mulher vai ficar convencida de que meu marido tem ciúmes de um homem que nem sequer conheço! 
— Aquilo é um bandido! regougou o comendador. 
— Pois deixe-o ser! Que temos nós com isso? Ele está na sua casa e nós na nossa. 
— Se eu soubesse que aquele patife morava ali, não tínhamos vindo para cá! 
— Mas que importa que ele more ali? 
— Importa muito! Aquilo é sujeitinho capaz de manchar a reputação de uma senhora com um simples cumprimento. Ele algum dia já te cumprimentou? 
— Pois eu já lhe disse que nunca reparei nesse homem? 
— Ali onde o vês tem causado a desgraça de umas poucas de senhoras! Por causa dele a mulher de um negociante deixou o marido, a filha de um despachante da Alfândega saiu da casa do pai, e a viúva de um coronel tentou suicidar-se! 
— Com efeito! exclamou Laura, agarrando rapidamente no binóculo, - deve ser um homem excepcional!... 
— Não! é melhor que não o vejas! ponderou o marido, tomando-lhe o binóculo das mãos. Que interesse tens tu... ? 
— Apenas o interesse que você mesmo me despertou, contando-me as conquistas deste Napoleão do 
amor. 
— Mulheres doentias e malucas... pobrezinhas que se deixaram levar por cantigas, ora aí tens!... Aquele 
peralta faz versos, e os jornais levam a dizer todos os dias que ele tem muito talento... e que é muito inspirado... 
— Lembra-me agora que já tenho lido esse nome de Passos Nogueira. 
— Oh, menina, vê lá se também tu... 
— Descanse: Já não estou em idade de me deixar levar por poesias. 
— Pois sim. peço-te que não te debruces nesta janela quando o tal poetaço estiver no seu caramanchão. 
— Por que? receias que eu caia? Ora deixe-se de ciúmes! 
— Não são ciúmes, são zelos. Não receio pelo que possas fazer... mas tenho medo que a vizinhança murmure.

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