sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Contos do Sábado na Usina: Artur azevedo:


 

A Valentim Magalhães V

Quando a vitória de Tavares se pôs em movimento, conduzindo Laura e Geraldo, este bafejado pelo ar fresco da noite, foi pouco a pouco recuperando a consciência nítida dos seus atos, e medindo toda a extensão dos excessos a que se entregara.
Sinceramente arrependido de ter aceitado o convite do Tavares, comparecendo a um jantar que degenerara em orgia, achava agora um incômodo trambolho a infeliz rapariga que ali ia atirada no fundo daquele carro, com as pálpebras cerradas, ignobilmente vendida à concupiscência. 
Perdera de súbito aquele desejo que à mesa lhe despertara os sentidos; achava-se paternal junto dessa mulher, e velho demais para ela, que era quase uma criança. 
E lembrava das histórias que Laura lhe contara durante o jantar: o seu casamento, a sua fuga, a sua desgraça; e o coração enchia-se de piedade e azedume. Tudo aquilo devia ser verdade; ela não tinha ainda o feitio da cocotte, era ainda noviça na profissão: não devia saber mentir. 
E Geraldo perguntava aos seus botões: 
— Que vou eu agora fazer desta pequena?... 
Depois, lembrou-se da última vez em que andara de carro. Havia já alguns meses. Foi uma noite em que levara a filha aos Huguenotes e teve que restitui-la ao colégio depois do espetáculo. Como ameaçava chover, tomaram um carro no largo da Carioca. Margarida ia assim, como Laura, atirada para o fundo do carro, com as pálpebras cerradas... 
— Valha-me Deus! que vou eu agora fazer desta pequena?...

Nenhum comentário:

Postar um comentário