segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Dante Alighieri: A Divina Comédia: Inferno:


 



Ó vós cujas idéias não se afastam
Das leis da sã razão, vede os preceitos
63 Que destes versos sobre o véu se engastam.
Eis sobre as águas túrbidas desfeitos Troam sons de fracasso temeroso;
66 Tremendo, as margens sentem-lhe os efeitos.
O tufão assim freme impetuoso,
Que, de ardores contrários se excitando,
69 Sem pausa fere a selva, e furioso,
Quebrando ramas, flores arrancando, Entre nuvens de pó soberbo assalta 
72 Feras, pastores e lanoso bando.
Os olhos descobriu-me e disse: “Exalta A vista agora até a espuma antiga,
75 Onde mais acre a cerração ressalta”.
Quais rãs, divisando a cobra imiga, Todas da água no seio desaparecem,
78 E cada qual no lodo entra e se abriga,
Tais milhares de espíritos parecem, Em derrota fugindo ante a figura
81 Que passa; nágua os pés não se umedecem.
Movendo a esquerda mão, a névoa escura, Que lhe era em torno ao vulto, dissipava: 
84 Só este afã lhe altera a face pura.
Ser ele conheci que o céu mandava; A Virgílio voltei-me, e mudo e quieto 
87 Ao aceno, que fez, eu me acurvava.
Quantos lumes reflete o iroso aspecto! À porta chega: ao toque de uma vara
90 Abre-se a entrada do alcáçar infecto.
— “Ó turba vil, que o céu de si lançara!” — Ao limiar falou da atroz cidade,
93 — “Donde vos vem da audácia a insânia rara?
“Por que recalcitrais à alta vontade,
Que sempre cumpre o seu excelso intento,
96 E à dor já vos cresceu a intensidade?
“Cuidais pôr ao destino impedimento? Cérbero, o vosso, na memória tende:
99 Trilhados inda estão-lhe o colo e o mento”.
Então pelo caminho imundo estende, Sem nos falar, os passos semelhante
102 A quem outros cuidados a alma prende,
Daqueles, que há presentes, bem distante. Nós à cidade afoutos caminhamos:
105 Deu-nos esforço o seu falar pujante.
Já, removido todo o pejo, entramos. Eu, que sentia de saber desejo
108 Quanto o forte contém que franqueamos.

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