segunda-feira, 9 de maio de 2022

A Divina Comédia: Dante Alighieri:



Do Bulicame qual o que saía, 
Das pecadoras em serviço usado:
81 Tal pela adusta areia este corria.
As margens e orlas são de cada lado 
Feitas de pedra e assim também seu leito: 
84 Caminho ali notei ao passo azado.
“De quanto aqui te conhecer hei feito, 
Depois que atrás deixamos essa porta, 
87 A cujo ingresso todos têm direito,
“Não se há mostrado à tua vista absorta 
Maravilha que iguale a desta veia,
90 Em que a flama adurente fica morta”. —
O Mestre diz e assim desejo ateia
De rogar-lhe me preste esse alimento,
93 Que excitado, o apetite haver anseia.
“Do mar em meio jaz” — ouvi-lhe atento 
— “Destruído país, Creta afamada.
96 Com seu rei foi do mal o mundo isento.
“Alça-se ali montanha outrora ornada 
De fontes e verdor: chama-se Ida:
99 Erma está, como cousa desprezada.
“Foi ao filho pra berço preferida 
De Réia, que abafava o seu vagido
102 Fazer mandando grita desmedida.
“Nas entranhas do monte um velho erguido 
Está: voltando à Damieta as costas,
105 Como a espelho, olha Roma embevecido.
“De ouro faces e fronte são compostas, 
De pura prata são braços e peito,
108 Enéias do busto as partes bem dispostas.
“De ferro estreme tudo o mais foi feito, 
O pé direito exceto, que é de argila,
111 Mas o corpo sustém, sendo imperfeito.
“Salvo do ouro, do mais sempre destila 
De lágrimas por fenda crebro fio,
114 Que fura a gruta e rápido desfila.
“Aos negros vales vem correndo em rio, 
Forma Stige, Aqueronte e Flegetonte, 
117 Desce depois neste canal esguio
“Até do inferno o fundo, aonde é fonte Do Cocito. 
O que o rio acaso seja
120 Verás: mister não é que ora te conte”. —
— “Se desde o nosso mundo ele serpeja, Dize, 
ó Mestre, a razão por que a torrente 
123 Só neste abismo lôbrego se veja”. —
“É circular este lugar horrente,
E posto haja vencido extenso trato,
126 Descendo tu à esquerda, inteiramente
“Não hás feito inda ao círc'lo o giro exato. 
Não revele o teu rosto maravilha. 
129 Novas cousas em vendo e estranho fato”.

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