quarta-feira, 4 de maio de 2022

Dante Alighieri: A Divina Comédia:


“Hemos de ir onde os corpos nossos moram, 
Como as outras, mas sem que os revistamos,
105 Mor pena aos que em perdê-los prestes foram.
“Arrastados serão por nós: aos ramos Pendentes ficarão nesta floresta
108 Nos troncos, em que, assim, vedes, penamos”.
Ouvíamos ainda a sombra mesta,
De mais dizer cuidando houvesse o intento.
111 Eis sentimos rumor, que nos molesta.
Assim monteiro, à caça pouco atento, 
Do javardo e dos cães ouve o estrupido 
114 E das ramadas o estalar violento.
Súbito vejo à esquerda, espavorido, 
Fugindo esp'ritos dois nus, lacerados,
117 Ramos rompendo ao bosque denegrido.
“Ó morte!” um clama — “acode aos desgraçados!” 
O segundo, que tardo se julgava:
120 “Ninguém, ó Lano, os pés tanto apressados
“De Toppo nas refregas te observava!” 
Porém, de todo já perdido o alento,
123 Numa sarça acolheu-se que ali stava.
Corria, enchendo a selva, em seguimento 
De famintas cadelas negro bando,
126 Quais alões da cadeia ao todo isento
A sombra homiziada se enviando, 
A fez pedaços a matilha brava,
129 E logo após levou-os ululando.
Então meu Guia pela mão me trava, 
Conduz-me à sarça, que se em vão carpia 
132 Pelas roturas, que o seu sangue lava.
“Ó Jacó Santo André!” triste dizia — 
“Podia eu ser-te acaso amparo certo?
135 Em mim por crimes teus que culpa havia?” —
Disse-lhe o Mestre, quando foi mais perto: 
“Quem és tu, que o teu sangue e mágoas exalas 
138 Por golpes tantos, de que estás coberto?” —
Tornou-lhe: “Ó alma que dessa arte falas 
E tu que o dano vês, que me separa,
141 Da fronde minha, agora amontoá-las
“Dignai-vos junto à rama, que as brotara.


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