1 DE NOVEMBRO DE 1861.
Prefácio político – Exposição – Ensino Praxedes –
Coroa ao Dr. Pinheiro Guimarães – O mágico Felipe –
Regata - Comemoração de defuntos.
O que
há de política? É a pergunta que naturalmente ocorre a todos,
e a que
me fará o meu leitor, se não é ministro. O silêncio é a
resposta.
Não há nada, absolutamente nada. A tela da atualidade
política
é uma paisagem uniforme; nada a perturba, nada a modifica.
Dissera-se
um país onde o povo só sabe que existe politicamente
quando
ouve o fisco bater-lhe à porta.
O que
dá razão a este marasmo? Causas gerais e causas especiais.
Foi
sempre princípio nosso do governo aquele fatalismo que entrega
os
povos orientais de mãos atadas às eventualidades do destino. O
que há
de vir, há de vir, dizem os ministros, que, além de acharem o
sistema,
cômodo, por amor da indolência própria, querem também
pôr a
culpa dos maus acontecimentos nas costas da entidade
invisível
e misteriosa, a que atribuem tudo.
Dizem,
é verdade, que há tal ministro que, adotando politicamente
aquele
princípio, descrê da sua legitimidade quando se trata da sua
pessoa,
e que, longe de esperar que a chuva lhe traga água, vai á
própria
fonte buscar com que estancar a sede. O leitor vê bem o que
há de
profundamente injurioso em semelhante proposição, e
facilmente
compreenderá o sentimento que me leva não insistir
neste
ponto.
Mas,
seja ou não assim, o que nos importa saber é que os nossos
governos
são, salvas as devidas exceções, mais fatalistas que um
turco
de velha raça. Seria este ministério uma exceção? Não; tudo
nele
indica a filiação que o liga intimamente aos da boa escola. É um
ministério-modelo;
vive do expediente e do aviso; pouco se lhe dá do
conteúdo
do ofício, contanto que tenha observado na confecção dele
as
fórmulas tabelioas; dorme á noite com a paz na consciência, uma
vez que
de manhã tenha assinado o ponto na secretaria.
Está
dada a razão por que subiu no meio das antífonas e das orações
dos
amigos, apesar dos travos de fel com que alguns quiseram fazerlhe
amargar
a taça do poder. Diziam estes: “É um ministério
medíocre”.
Mas, por Deus, por isso mesmo é que é sublime!Em
nosso
país a vulgaridade é um título, a mediocridade um brasão ;
para os
que têm a fortuna de não se alarem além de uma esfera
comum é
que nos fornos do Estado se coze e tosta o apetitoso pãode-
ló, que
é depois repartido por eles, para glória de Deus e da
pátria.
Vai nisto um sentimento de caridade, ou, direi mesmo, um
princípio
de equidade e de justiça. Por toda a parte cabem as
regalias
ás inteligências que se aferem por um padrão superior; é
bem que
os que se não acham neste caso tenham o seu quinhão em
qualquer
ponto da terra. E dão-lhe grosso e suculento, a bem de se
lhes
pagar as injúrias recebidas da civilização.
Não se
admire, portanto, o leitor se não lhe dou notícias políticas.
Política,
como eu e o meu leitor entendemos, não há. E devia agora
exigir-se
de um melro o alcance do olhar da águia e o rasgado de
seu
vôo? Além de ilógico fora crueldade. Estamos muito bem assim;
demais,
não precisa o império de capricórnio.
É sob a
gerência deste ministério que vai efetuar-se em nossa capital
uma
festa industrial, a exposição de 1 de dezembro.
Se o
leitor acompanhou as discussões do senado este ano, deve
lembrar-se
que quase no fim da sessão o Sr. senador Penna, que ali
ejaculou
alguns discursos “notáveis”, entre eles o dos pesos e
medidas
do Sr. Manoel Felizardo, levantou-se e pediu a opinião do
Sr.
ministro do fomento acerca da conveniência de representar o
Brasil
na próxima exposição de Londres.O Sr. ministro, que por uma
coincidência,
que não passou despercebida, havia previsto os
sentimentos
do honrado senador, levantou-se e declarou que já
havia
pensado nisso, e que dentro de quatro dias tinham de aparecer
as
instruções regulamentares das exposições parciais no Brasil, para
delas
extrair-se o melhor, e enviar-se á exposição de
Londres.Portanto,
os dois heróis da exposição são os Srs. Penna e
ministro
do fomento, a quem, em minha opinião, devem ser
conferidas
as primeiras medalhas, a não ser que se olhe como
prêmio
comemorativo a presidência de Mato-Grosso e as ajudas de
custo,
que, por eleição do sagrado concílio, couberam ao Sr.
Herculano
Penna. Em todo o caso há uma dívida contraída com o Sr.
ministro
do fomento.
As
instruções apareceram um pouco sibilinas e indigestas, como
salada
mal preparada, mas dignas do ministro e do ministério. E
imediatamente
as ordens se expediram, com uma presteza cuja
raridade
não posso deixar de comemorar, e em toda a parte se
preparam
a esta hora as exposições parciais.
A da
corte tem lugar no dia 2 de dezembro, no edifício da escola
central.
A decoração está a cargo do Sr. Dr. Lagos, que é um dos
mais
importantes expositores. Disse-me alguém que àquele nosso
distinto
patrício se entregou uma soma fabulosa. . . (mente)
mesquinha,
o que é realmente digno de censura, se não atendermos
à
divisa do ministério, e a que é impossível fazer uma exposição e ao
mesmo
tempo mandar uma jovem comissão estudar à Europa os
sistemas
postais. A exposição é uma coisa bonita; mas há muito
moço
que ainda não foi a Paris, e é preciso não deixar que esses
belos
espíritos morram abafados pela nossa atmosfera brasileira.
Ora, a
economia. . .
A
Exposição corresponderá aos esforços dos seus diretores, se a
atenção
pública não for desviada pela nova obra “Ensino Praxedes”,
de que
dá notícia a folha oficial. É um novo método de ensino,
fundado
sobre a filosofia do A B C. Ouço já o meu sôfrego leitor
perguntar-me
o que é a filosofia do A B C. Eu ainda não li o precioso
livro;
mas diz-me um boticário, que o folheou entre duas receitas,
que
essa filosofia cifra-se em demonstrar que não há entre as letras
do
alfabeto a diferença que geralmente se supõe, e que o A e o G se
parecem
como duas gotas de água. Talvez o meu leitor não ache
muito
clara a identidade; mas é aí que está a sutileza do novo
método.
Ocorre-me
lembrar uma coisa. Este livro deve figurar na exposição
de
Londres. Ali se reserva uma sala para a exposição de planos,
livros
e métodos pedagógicos de ensino primário. Vê-se que o novo
“Ensino” está correndo para lá como um rio para o mar.
A
matéria do ensino é grave e profunda; não se deve perder material
algum
que possa servir à organização da instrução pública, como ela
deve
ser feita. Ora, compreendesse bem que o sistema do “Ensino
Praxedes” vem dar um grande avanço, porque, se pela
analogia, ou
antes,
identidade dos caracteres, chegamos a converter o alfabeto
em uma
só letra, é evidente que teremos feito mais que todos o que
têm
estudado e desenvolvido a matéria e, se é dado crismar o novo
método,
proponho que se desdenhe o título de “Método-vapor”, e
que se
lhe de o que lhe compete, “Método-elétrico.”
A
obrigação de comentar leva-me a fazer transições bruscas; por
isso
passo sem preâmbulo do novo livro a oferta que por parte de
alguns
amigos e admiradores acaba de ser feita ao Sr. Dr. Pinheiro
Guimarães,
autor do drama “História de uma moça rica”.
Afirmo
que o leitor, se não é beato, está tão convencido como eu da
justiça
daquela oferta. Ela significa, além disso, um desmentido
solene
às censuras que, em mal da composição do novo dramaturgo,
haviam
levantado os que sentem em si à alma daquele herói de
Molière, que pecava em silêncio e se acomodava com o céu.
As
palmas que acompanhavam a entrega da coroa ao Sr.Dr.Pinheiro
Guimarães
confirmaram ainda uma vez a boa opinião que nós
espíritos
desprevenidos, sinceramente amante das letras, tem criado
o
poeta. Estou certo de que elas valem mais que a alma devota dos
censores.
Tem
outro alcance a coroa do autor da “História de uma moça rica”;
é um
incentivo à mocidade laboriosa, que, vendo assim aplaudidas e
festejadas
as composições nacionais, não se deixará ficar no escuro,
e virá
a cada operário por sua vez enriquecer com um relevo o
monumento
da arte e da literatura.
A nossa
capital tem sido visitada por mais de um mágico, e sem
dúvida
está ainda fresca a impressão que produziu o distinto
Hermann, que fazia coisas com aquelas bentas mãos de pôr
a gente
a olhar
o sinal. No tempo em que Hermann divertia a curiosidade
infantil
do nosso povo, chegou aqui um colega, que, reconhecendo
não
poder competir com tão distinto mestre, resolveu esperar
melhores
dias, e foi exercer a sua arte pelo interior.
Agora
apareceu ele, o Sr. Philippe, filho de um mágico célebre de
Paris.
Trabalha com destreza e habilidade, e faz passar o espectador
algumas
horas de verdadeira satisfação. Se o meu leitor quiser
verificá-lo
deve ir ao Ginásio sempre que o Sr. Philippe trabalhar.
Efetua-se
hoje à tarde a grande regata de que falei em um dos meus
“Comentários”
passados, e cujo programa as folhas publicaram
ontem.
Ao que
parece, o divertimento será em regra, e amadores e
espectadores
terão uma tarde deliciosa a passar. Compreende-se
bem que
os Ingleses se distraiam das suas graves preocupações
para
tomar parte ou presenciar uma regata, hoje que o
divertidíssimo
soco inglês é punido pelas leis da Grã-Bretanha.
Vejam
se não excita a fibra ver quatro escaleres rasgando com as
quilhas
cortadoras o seio de um mar calmo e azul, e os remeiros,
com o
estímulo e o entusiasmo nos olhos, empregando toda a
perícia,
a ver quem primeiro chega ao termo da carreira, que é a
terra
da promissão!
Diga-se
o que quiser dos Ingleses, mas confesse-se que nesta
predileção
pela regata e outros divertimentos do mesmo gênero
mostram
eles que Deus também os dotou da bossa do bom gosto.
Honra
àqueles graves insulares!
Os
moços que hoje tomam parte na regata são pela maior parte,
oficiais
da nossa jovem marinha, mas entram no divertimento
franceses
e ingleses que não deviam faltar a ele. A festa é, portanto,
completa,
e desta vez é deveras uma regata, pois que os escaleres
devem correr
próximos à praia, para que todos possam ver.
Depois
da festa do mar, vem a festa dos cemitérios, a comemoração
dos
mortos, piedosa romagem que a população faz às pequenas e
solitárias
necrópoles, onde repousam os restos do irmão, do pai, do
consorte,
da mãe e do amigo.
É uma
peregrinação imponente. Os romeiros vão de luto orar pelos
que
repousam no último jazigo, e derramar à vista de todos, as
lágrimas
da saudade e da tristeza. É esta uma das práticas dos
povos
cristãos que mais impressionam a alma do homem
verdadeiramente
religioso, embora a vaidade humana macule, como
acontece
em todas as coisas da vida, a grave e melancólica
cerimônia,
com as suas suntuosas distinções.
Dizem
os que têm visitado a antiga cidade de Constantino que há
uma
grande diferença entre um cemitério turco e um cemitério
cristão.
Aquele não inspira o sentimento que se experimenta quando
se
entra neste. O turco entrelaça a morte à vida, de modo que não
se
passeia com terror ou melancolia entre duas alas de túmulos. A
razão
desta diferença parece estar na própria religião. O que quereis
que
seja a morte para um povo a quem se promete na eternidade, a
eternidade
dos gozos mais voluptuosos que a imaginação mais viva
pode
imaginar? Esse povo, que vive no requinte dos prazeres
materiais,
só entende o que fala aos sentidos, e considera bem
aventurados
os que morreram que já gozam ou estão perto de gozar
os
prazeres prometidos pelo profeta.
Mas
filosoficamente, terão razão eles ou nós, filhos da igreja cristã?
Há
razão para ambas as partes, e cumpre acatar os sentimentos
alheios
para que não desrespeitem os nossos.
Comentários da semana
Texto-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis,
Rio de
Janeiro: Edições W. M. Jackson,1938.
Publicado
originalmente o Diário do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, de 01/11/1861
a
05/05/1862.
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