Eliminaram Ii
Kammon, mas o grande fato estava consumado, bem ou mal os tratados concluídos,
e o Japão aberto aos estrangeiros.Em breve, à semelhança da América do Norte, os
Estados europeus entravam de mandar os seus representantes diplomáticos, e
atrás destes surgiam logo, de focinho arregaçado e palpitante, os primeiros
furões comercias, os farejadores de negócios virgens de exploração, os
avançados de Ashaverus que aí já vinha se arrastando azafamado de saco vazio às
costas; enquanto do arquipélago muitos indígenas curiosos, estalando por gosto
o ocidental fruto até aí proibido pelas "Cem Leis", muniam-se de ouro
e tomavam as pressas o primeiro barco a sair para a China, com medo de que, uma
vez morto o Regente, não fosse de novo trancada a autorização de viajar pelo
estrangeiro. Esta leva tão espontânea, quase toda de gente moça e rica, na
melhor parte inteligente e ávida de aprender coisas novas; haveria no futuro de
influir também nos acontecimentos políticos do país.Quanto ao que neste ia por dentro, agora a
grande questão pública era apurar se valiam ou não valiam os tratados apenas
com a assinatura do Shogun. O Imperador abanava as mãos e sacudia os ombros,
declarando a quem lhe ia falar em credenciais e exequatur que não lhe constava haver nenhum compromisso formal
entre o seu império e qualquer Potência estrangeira; e que de sua parte
evidenciassem ao novo Regente a necessidade de desenganar semelhantes
importunos antes de ser preciso lançar mão dos meios extremos. Ao mesmo tempo
decreta a retirada de todo o forasteiro que se ache no território sem clara e
positiva autorização do Micado, e delega a Mito essa incumbência, repetindo-lhe
numa carta escrita de seu próprio punho, a frase da vassoura e da poeira com
que ele havia ressuscitado do outro mundo para acudir ao momento crítico. Visionário! Agora já não
era uma simples esquadra que flutuava nas águas japonesas, era uma formidável
armada constituída pelo contingente marítimo das principais potências do mundo.
Dir-se-ia um congresso universal nas costas do Japão, porque, além das
bandeiras que de tão longe vinham por defender os seus tratados, outras novas
iam chegando desejosas de entrar também em fala com a sedutora esfinge do
Extremo Oriente. E os radicais
elementos patrióticos do altaneiro Sul coração do Império, sequiosos por
descarregar em alguém ou alguma coisa a raiva de cruel despeito em que ardiam,
nada podendo fazer contra o verdadeiro objeto do seu impotente desespero,
voltaram-se contra a instituição a que pertencera o causador de tio irreparável
desastre nacional; tomando porém o Shogunato para alvo dos golpes que
precisavam descarregar, forçoso era opor-lhe em campo de combate a bandeira de
outro poder, pelo qual se batessem e pelo qual, no momento da vitória,
substituíssem o do vencido, resolveram então, depois de muito bem discutir o
caso, adotar o unitarismo do Trono como ideal político. Mito, consultado,
aplaudiu-os e deu-lhes de conselho que procurassem pôr à sua frente os
príncipes do extremo sul. Foi desse modo
que se formou, para logo se desenvolver maravilhosamente, o partido popular do
Imperador, coisa que até aí nunca tinha existido no movimento político do país.
Ora, como o pobre Soberano, no seu empírico patriotismo, punha antes de tudo a
preocupação de expulsar os estrangeiros, o novo partido, por cair-lhe em graça,
fez o seu lema com o grito de guerra "Honra ao Micado! Fora os
bárbaros!", apesar de compreender perfeitamente a impossibilidade de levar
a efeito nessa ocasião tão adorado sonho. Assim pois
vinha à luz o partido do Imperador já com um plano de mistificação urdido
contra o seu próprio chefe, disposto a servir-se da mesma maromba que caíra das
mãos fracas de Yeçada e que servira Ii Kammon para equilibrar os seus primeiros
passos no governo, pois como esses iria dizendo ao Micado que se constituía e
fortificava só com o fim de bater os estrangeiros, quando a sua real intenção
era, pelo menos antes de cuidar doutra coisa, combater o Shogunato. Os daimos do sul, ligando-se a esse elemento
popular, não calculavam o alcance que contra eles próprios poderia ter a
campanha empreendida, não previam que a unificação do poder do trono iria
absorver também o dos principados; e contavam ingenuamente que, abolido o
Shogunato, o Império voltaria sem dúvida ao regime feudal de antes de Yoritomo,
quando os príncipes governavam ao lado do Imperador e não estavam sujeitos i
alçada do Shogun. Quanto ao que pensava a Nobreza e Povo com respeito aos
estrangeiros, era opinião corrente que qualquer ação decisiva seria impossível
contra eles enquanto existissem a Corte e as forças shogunais para defendê-los
dentro do país, desde porém que o Imperador concentrasse na mão todo o poder e
comandasse diretamente os daimos, claro estava que a questão seria prontamente
resolvida. Eis aqui em que
estado se achava o país nas vésperas da sua grande revolução. A terrível guerra
civil que se ia abrir, isto é, a luta de parte dos príncipes e parte do povo
contra a instituição do Shogunato ou contra a dinastia dos Tokugawas, era pois
conseqüência direta dos atos de Ii Kammon e não tinham raízes em nenhum fator
político precedente à chegada do Comodoro Perry, como pretendem os ocidentais
nos seus livros sobre o Japão.
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