Escrevo esta no
dia seguinte ao do aniversário da proclamação da República. Não fui à cidade e
deixei-me ficar pelos arredores da casa em que moro, num subúrbio distante. Não
ouvi nem sequer as salvas da pragmática; e, hoje, nem sequer li a notícia das
festas comemorativas que se realizaram. Entretanto, li com tristeza a notícia
da morte da princesa Isabel. Embora eu não a julgue com o entusiasmo de
panegírico dos jornais, não posso deixar de confessar que simpatizo com essa
eminente senhora.
Veio, entretanto, vontade de lembrar-me o estado
atual do Brasil, depois de trinta e dois
anos de
República. Isso me acudiu porque topei com as palavras de compaixão do Senhor Ciro
de Azevedo pelo estado de miséria em que se acha o grosso da população do
antigo Império Austríaco. Eu me comovi com a exposição do doutor Ciro, mas me
lembrei ao mesmo tempo do aspecto da Favela, do Salgueiro e outras passagens
pitorescas desta cidade.
Em seguida,
lembrei-me de que o eminente senhor prefeito quer cinco mil contos para
reconstrução da avenida Beira-Mar, recentemente esborrachada pelo mar.
Vi em tudo isso a
República; e não sei por quê, mas vi.
Não será,
pensei de mim para mim, que a República é o regime da fachada, da ostentação,
do falso brilho e luxo de parvenu,
tendo como repoussoir a miséria
geral? Não posso provar e não seria capaz de fazê-lo.
Saí pelas ruas
do meu subúrbio longínquo a ler as folhas diárias. Lia-as, conforme o gosto
antigo e roceiro, numa "venda" de que minha família é freguesa.
Quase todas
elas estavam cheias de artigos e tópicos, tratando das candidaturas
presidenciais. Afora o capítulo descomposturas, o mais importante era o de
falsidade.
Não se discutia uma questão
econômica ou política; mas um título do Código Penal.
Pois é possível
que, para a escolha do chefe de uma nação, o mais importante objeto de
discussão seja esse?
Voltei
melancolicamente para almoçar, em casa, pensando, cá com os meus botões, como devia
qualificar perfeitamente a República.
Entretanto - eu
o sei bem - o 15 de Novembro é uma data gloriosa, nos fastos da nossa história,
marcando um grande passo na evolução política do país.
Marginália, 26-11-1921
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