16 DE DEZEMBRO DE 1861.
A lei das condecorações – O sr. Ministro do Império – O fim do
decreto – Escola-normal de teatro – Nada de concorrência –
Os fins do teatro – Sufrágios pelo rei de Portugal.
Dizia
um filósofo antigo que as leis eram as coroas das cidades.
Para
caracterizá-las assim deve supor-se que leis sejam boas e
sérias.
As leis más ou burlescas não podem ser contadas no número
das que
tão pitorescamente designa o pensador a que me refiro.
A folha
oficial deu a público um decreto que reúne as duas
condições:
de abusivo e de ridículo; é o decreto que regula a
concessão
de condecorações. A imprensa impugnou o ato
governamental,
e à folha oficial foram ter algumas respostas, com
que se
procurou tornar a coisa séria.
Mas se
a coisa era burlesca e má, má e burlesca ficou; as
interpretações
dos sacerdotes não trouxeram outra convicção ao
espírito
do vulgo. Devo todavia notar que a má impressão produzida
pelo
regulamento das condecorações diminuiria se tivesse atendido
para o
nome do ministro que firmou o decreto.
Benza-o
Deus, o Sr. Ministro do Império não é, nunca foi, e muito
menos
espera ser uma águia. Adeja na sua esfera comum, tem por
horizonte
a beira dos telhados da sua secretária, e deixa as nuvens e
os
espaços largos a quem envergar asas de maiores dimensões que
as
suas.
Isto no
gabinete, isto na tribuna; o homem da palavra luta de
mediocridade
com o homem da pena, e, força é dizer, quando este
parece
que suplanta aquele, aquele vence a este, para de novo ser
vencido.
Por
isso há de dar água pela barba a quem descobrir qual dos dois é
mais
vulgar.
Se
tivesse atendido a esta circunstância, o pasmo não teria sido tão
grande,
porque está escrito que o fruto participa das qualidades da
árvore,
e o tal decreto devia doer mais ao Sr. Ministro do que se
pensa.
S. Excia. levou seu tempo a trabalhar naquela obra, não
comunicou
a ninguém a novidade que ia dar, pelo menos não houve
esse
zum-zum que precede, as mais das vezes, aos atos do poder, e
um belo
dia disse consigo: - “Vou causar uma surpresa a estes
queridos
fluminenses: amanhã pensam ler na folha oficial uma
cataplasma
árida do expediente dos meus colegas, e eu dou-lhes
este
acepipe preparado por minhas bentas mãos”. E publicou-se o
regulamento.
Ora,
cuidar que depois da sua obra a musa da história o receberia
nos
braços, e ver que ele teve o mais triste dos acolhimentos, o do
ridículo,
é um transe duro de sofrer, e maior do que se houvesse
ligado
pouca importância ao resultado das suas lucubrações.
Cada
ministro gosta de deixar entre outros trabalhos, um que
especifique
o seu nome no catálogo dos administradores.
A
matéria das condecorações seduziu o Sr. Ministro do Império ;
datavam
de longe os decretos que a regulavam, o Sr. Ministro quis
reunir
esses retalhos para fazer o seu manto de glória, e organizou
um
regulamento geral.
O
primeiro artigo desse regulamento espantou a todos, porque exigiu
20 anos
de serviços não remunerados, para concessão de uma
condecoração,
era murar a grande porta das graças, e fazia admirar
que o
governo com as próprias mãos quebrasse uma das suas boas
armas
eleitorais.
O art.
9.º restabeleceu os ânimos; muravam a grande porta, é
verdade,
mas abriam um largo corredor, ou antes, reconheciam e
legalizavam
essa via de comunicação aberta pelo abuso.
O
governo quis ser esperto, mas o público não se deixou cair no laço
armado
à sua boa fé.
Não vá
agora o leitor pensar que me pronuncio assim porque
considero
a concessão de graças o sumo bem que pode desejar toda
a
ambição do coração humano!Deus me absolva se peco, mas eu não
penso
assim. O que, porém, cumpre dizer em honra da verdade, é
que o
decreto de 7 de dezembro é uma lei manca e burlesca.
Entre
os atos de nulo valor do governo ocupa esse um lugar distinto.
Oxalá
que ande ele melhor avisado na organização de uma escola
normal
de teatro, sobre o que está uma comissão encarregada de
dar o
seu parecer.
Espera-se
com ânsia, e pela minha parte, com fé, o resultado do
estudo
da comissão, porque a matéria apesar de importante não foi
até
aqui estudada.
Entretanto,
antes que tenha aparecido o trabalho oficial, já uma
opinião
se manifestou nas colunas do “Correio Mercantil”.
Essa
opinião sinto dizê-la, devia ser a última lembrada, se merecesse
ser
lembrada.
A
doutrina liberal de concorrência aplicada à espécie prejudica o
ponto
essencial da questão, e que se tem em vista atingir.
Criar
no teatro uma escola de arte, de língua e de civilização, não é
obra de
concorrência, não pode estar sujeita a essa mil
eventualidades
que têm tornado, entre nós, o teatro uma coisa difícil
e a
arte uma profissão incerta.
É na
ação governamental, nas garantias oferecidas pelo poder, na
sua
investigação imediata, que existem as probabilidades de uma
criação
verdadeiramente séria e seriamente verdadeira.
Uma
legislação emanada da autoridade, a reunião dos melhores
artistas,
a escolha dos mestres de ensino, a criação de escolas
elementares
de ensino, onde se aprenda arte e língua, duas coisas
muitas
vezes ausentes de nossas cenas, a boa remuneração ao
trabalho
dos compositores, um júri de julgamento de peças, em boas
bases,
ficando extinto o conservatório, tudo isto sem descuidar-se na
flutuação
das receitas, tais são os fundamentos, não de um teatroescola,
mas do
teatro, na sua acepção mais abstrata.
Virá o
estímulo, os outros aprenderão no primeiro, e arte torna-se
um
fato, uma coisa real.
Mas
deixar à luta individual a criação de uma escola nas condições
exigidas,
equivale a não criar coisa nenhuma. E se alguma coisa se
fizer
há de ser em demasia lento.
Não, o
teatro não é uma indústria, como diz a opinião a que me
refiro;
não nivelemos assim as idéias e as mercadorias.
O
teatro não é um bazar, e se é, que estranhas mercadorias são
estas,
chamadas Othelo, Athalia, Tartufo, Marion Delorme e Frei Luiz
de Souza, e como devem soar mal, nos centros comerciais, os
nomes
de Shakespeare,
Racine, Molière, Victor Hugo e Almeida Garrett.
Não é o
teatro uma escola de moral? Não é o palco um púlpito?
Diz Victor
Hugo no prefácio da Lucrecia Borgia: “O teatro é uma
tribuna,
o teatro é um púlpito. O drama, sem sair dos limites
imparciais
da arte, tem uma missão nacional, uma missão social e
uma
missão humana. Também o poeta tem cargo de almas. Cumpre
que o
povo não saia do teatro sem levar consigo alguma moralidade
austera
e profunda. A arte só, a arte pura, a arte propriamente dita,
não
exige tudo isso do poeta; mas no teatro não basta preencher as
condições
da arte.”
Estou
certo de que a comissão e o governo não entregarão à
concorrência
a criação de uma escola normal de teatro. Isto no
pressuposto
de que a nomeação da comissão não foi uma fantasia do
autor
do decreto das graças.
Dito
isto, passemos a outras coisas. Mas o quê?Depois da minha
última
revista, nada se deu que mereça uma menção ou um
comentário.
O que
de mais notável sei, é que se continua a celebrar missas e
ofícios
fúnebres pelo rei D. Pedro V; na sexta-feira foi o do cônsul de
Portugal,
hoje é o da sociedade Portuguesa de Beneficência
Dezesseis de Setembro, o da Dezoito
de Julho, o da Igualdade e
Beneficência, e de uma comissão da
Prainha.
Folgo
por ver que nestas homenagens prestadas à majestade morta,
fala
menos o ânimo dos vassalos que o coração dos amigos e
admiradores
das virtudes daquele ilustre soberano.
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