Nascido e falecido no Rio de Janeiro, Manuel
Antônio de Almeida foi um importante fomentador das letras brasileiras. Seu
romance mais famoso, Memórias de um Sargento de Milícias, foi publicado em
formato de folhetim entre os anos de 1852 e 1853 no periódico Correio Mercantil
do Rio de Janeiro. A ideia para a composição do romance surgiu após ouvir as
histórias de um colega de jornal, um antigo sargento comandado pelo Major que
inspirou o personagem homônimo do livro.
O romance é uma obra inovadora para sua época pois
rompe com o retrato exclusivo da vida e dos hábitos da aristocracia para
retratar o ambiente e a linguagem do povo em sua simplicidade. Além disso,
Leonardinho, o protagonista, não é o protótipo do herói romântico, mas sim, um
menino travesso que mais tarde se transforma em um jovem pícaro, dado à
vadiagem e à malandragem no lugar de procurar uma ocupação.
O gênero picaresco
O gênero picaresco, na literatura, é caracterizado
pela narrativa de um pícaro, sinônimo para malandro. O personagem é,
geralmente, um garoto inocente e puro que é corrompido e desiludido à medida em
que cresce e toma contato com a realidade do mundo adulto. Nas suas origens
espanholas e medievais, o personagem sempre termina desiludido e adaptado às
condições de um mundo na miséria ou em um casamento que não lhe proporciona
nenhum tipo de prazer. No entanto, no romance brasileiro o "pícaro"
Leonardinho difere um pouco do espanhol por não ser um personagem tão inocente
e por terminar feliz em sua vida adulta e em seu casamento.
Se há tantas rupturas, o que faz de Manoel Antônio
de Almeida um escritor do romantismo brasileiro? Embora haja muitas convenções
do romance romântico em sua obra, tais como o tom irônico e satírico do
narrador, o estilo frouxo, a linguagem descuidada e o final feliz do romance, o
livro inova por envolve personagens das classes mais baixas da sociedade, o
clero e a milícia além de não idealizar seus personagens.
O compadre quer ver Leonardinho instruído pois quer
vê-lo como padre ou formado em Direito, diferentemente do romance pícaro
original, em que os protagonistas precisam fazer trabalhos manuais (geralmente
nas posições mais baixas como criado ou ajudante de cozinheiro) para garantir
seu sustento. Além disso, ao final do romance, ele casa com seu amor e recebe
"cinco heranças" sem precisar trabalhar para isso. O que faz de
Leonardinho um pícaro com características à parte e o transforma em mais um
tipo brasileiro.
O romance é considerado por alguns teóricos como o
primeiro romance realmente de costumes brasileiro por retratar a sociedade em
toda a sua simplicidade e Manoel Antonio de Almeida é por vezes considerado um
autor de transição entre o Romantismo e o período seguinte, o Realismo. Além
disso, o autor traz para o enredo elementos que até então não eram retratados
pelos romancistas, como acampamentos de ciganos e bares frequentados pelas
camadas sociais mais baixas.
Memórias de um Sargento de Milícias (1852)
Publicado em formato de folhetim, o romance narra a
história de Leonardinho, filho dos portugueses Leonardo Pataca e
Maria-da-Hortaliça que chegam ao Rio de Janeiro. Na viagem em direção ao
Brasil, Leonardo dá uma pisadela em Maria, que retruca com um beliscão.
"Nove meses depois, filho de uma pisadela e um beliscão, nascia Leonardo."
Porém, abandonado pelos pais, acaba sendo criado pelo compadre barbeiro.
Largado à vagabundagem, o personagem é o protótipo do malandro brasileiro.
Veja trecho abaixo:
(...)
Assim chegou aos 7 anos.
Afinal de contas a Maria sempre era saloia, e o
Leonardo começava a arrepender-se seriamente de tudo que tinha feito por ela e
com ela. E tinha razão, porque, digamos depressa e sem mais cerimônias, havia
ele desde certo tempo concebido fundadas suspeitas de que era atraiçoado. Havia
alguns meses atrás tinha notado que um certo sargento passava-lhe muitas vezes
pela porta, e enfiava olhares curiosos através das rótulas: uma ocasião, recolhendo-se, parecera-lhe que o
vira encostado à janela. Isto porém passou sem mais novidade.
Depois começou a estranhar que um certo colega seu
o procurasse em casa, para tratar de negócios do oficio, sempre em horas desencontradas: porém isto também
passou em breve. Finalmente aconteceu-lhe por três ou quatro vezes esbarrar-se
junto de casa com o capitão do navio em que tinha vindo de Lisboa, e isto
causou-lhe sérios cuidados. Um dia de manhã entrou sem ser esperado pela porta
adentro; alguém que estava na sala abriu precipitadamente a janela, saltou por
ela para a rua, e desapareceu.
À vista disto nada havia a duvidar: o pobre homem
perdeu, como se costuma dizer, as estribeiras; ficou cego de ciúme. Largou
apressado sobre um banco uns autos que trazia embaixo do braço, e endireitou
para a Maria com os punhos cerrados.
— Grandessíssima!...
E a injúria que ia soltar era tão grande que o
engasgou... e pôs-se a tremer com todo o corpo.
A Maria recuou dois passos e pôs-se em guarda, pois
também não era das que se receava com qualquer coisa.
— Tira-te lá, ó Leonardo!
— Não chames mais pelo meu nome, não chames... que
tranco-te essa boca a socos...
— Safe-se daí! Quem lhe mandou pôr-se aos namoricos
comigo a bordo?
Isto exasperou o Leonardo; a lembrança do amor
aumentou-lhe a dor da traição, e o ciúme e a raiva de que se achava possuído
transbordaram em socos sobre a Maria, que depois de uma tentativa inútil de
resistência desatou a correr, a chorar e a gritar:
— Ai... ai... acuda, Sr. compadre... Sr.
compadre!...
Porém o compadre ensaboava nesse momento a cara de
um freguês, e não podia largá-lo. Portanto a Maria pagou caro e por junto
todas as contas. Encolheu-se a
choramingar em um canto.
O menino assistira a toda essa cena com
imperturbável sangue-frio: enquanto a Maria apanhava e o Leonardo esbravejava,
este ocupava-se tranqüilamente em rasgar as folhas dos autos que este tinha
largado ao entrar, e em fazer delas uma grande coleção de cartuchos.
Quando, esmorecida a raiva, o Leonardo pôde ver
alguma coisa mais do que seu ciúme, reparou então na obra meritória em que se
ocupava o pequeno. Enfurece-se de novo: suspendeu o menino pelas orelhas, fê-lo
dar no ar uma meia-volta, ergue o pé direito, assenta-lhe em cheio sobre os
glúteos, atirando-o sentado a quatro braças de distância.
— És filho de uma pisadela e de um beliscão;
mereces que um pontapé te acabe a casta.fonte de origem:
http://www.soliteratura.com.br/romantismo/romantismo11.php
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