quarta-feira, 20 de maio de 2020

Poesias De Quinta Na Usina: Augusto dos Anjos: ESTROFES SENTIDAS:


Eu sei que o Amor enche o Universo todo E se prende dos poetas à guitarra Como o pólipo que se agarra ao lodo E a ostra que às rochas eternais se agarra. O amor reduz-nos a uniformes placas, Uniformiza todos os anelos E une organizações fortes e fracas Nos mesmos laços e nos mesmos elos. Por muito tempo eu lhe sorvi o aroma, E, desvairado, sem prever o abismo Fiz desse amor um ídolo de Roma, Eleito Deus no altar do fetichismo! Tudo sacrifiquei para adorá-lo                                                                                                                                                                   -- Mas hoje, vendo o horror dos meus destroços, Tenho vontade de estrangulá-lo E reduzi-lo muitas vezes a ossos! Todo o ser que no mundo turbilhona Veja do Amor, à luz das minhas frases, Uma montanha que se desmorona, Estremecendo em suas próprias bases. E em qualquer parte do Universo veja -- Sombrias ruínas de um solar egrégio E o desmoronamento duma Igreja Despedaçada pelo sacrilégio. A Natureza veste extraordinárias Roupagens de ouro. Além, nas oliveiras, Aves de várias cores e de várias Espécies, cantam óperas inteiras. A compreensão da minha niilidade Aumenta à proporção que aumenta o dia E pouco a pouco o encéfalo me invade Numa clareza de fotografia. Na área em que estou, ao matinal assomo, Passa um rebanho de carneiros dóceis... E o Sol arranca as minhas crenças como Boucher de Perthes arrancava fósseis. Observo então a condição tristonha Da Humanidade, ébria de fumo e de ópio, Tal qual ela é, e não tal qual a sonha E a vê o Sábio pelo telescópio. O Sábio vê em proporções enormes Aquilo que é composto de pequenas Partes, construindo corpos quase informes E aquilo que é uma parcela apenas. Da observação nos elevados montes Prefiro, à nitidez real dos aspectos, Ver mastodontes onde há mastodontes E insetos ver onde há somente insetos. A inanidade da Ilusão demonstro Mas, demonstrando-a, sinto um violento Rancor da Vida -- este maldito monstro Que no meu próprio estômago alimento! Nisto a alma o ofício da Paixão entoa E vai cair, heroicamente, na água Da misteriosíssima lagoa Que a língua humana denomina Mágoa! Dos meus sonhos o exército desfila E, à frente dele, eu vou cantando a nênia Do Amor que eu tive e que se fez argila, Como Tirteu na guerra de Messênia! Transponho assim toda a sombria escarpa Sinistro como quem medita um crime. E quando a Dor me dói, tanjo minha harpa E a harpa saudosa a minha Dor exprime! Estes versos de amor que agora findo Foram sentidos na solidão de uma horta, À sombra dum verdoengo tamarindo Que representa a minha infância morta!


Nenhum comentário:

Postar um comentário