domingo, 31 de julho de 2022

Crônicas de Segunda na Usina:1º DE MARÇO DE 1863:



Entre os poucos fatos desta quinzena um houve altamente importante: foi a supressão da procissão de Cinzas. Em 1862, logo ao começar a quinzena, publicou uma das folhas diárias desta Corte um artigo pequeno, mas substancial, no qual uma voz generosa pedia mais uma vez a supressão das procissões, como nocivas ao verdadeiro culto e filhas genuínas dos cultos pagãos. Nem o autor, nem o mais crédulo dos seus leitores, acreditaram que essa usança fosse suprimida; e a mesma grosseria, o mesmo fausto, o mesmo vão e ridículo aparato passou aos olhos do povo sob pretexto de celebrar os sucessos gloriosos da Igreja. 
Em um jornal político, publicado então, e cujo 2.º número acertou de sair na sexta-feira da Paixão, veio incerta uma carta ao nosso prelado, menos eloqüente e erudita, mas tão indignada como o artigo a que me referi. Assinavam essa carta umas três estrelas, ocultando o verdadeiro nome do autor, que era eu. O desgosto que me comunicara o primeiro articulista, aumentando o que eu já tinha, deu nascimento a essas linhas, em que eu fazia notar como prejudiciais ao espírito religioso essas grosserias práticas, mais que próprias para produzir o materialismo e a tibieza da fé. Era simplesmente um protesto, sem pretensão de sucedimento. 
Para acreditar possível uma reforma completa que faça do culto uma coisa séria, tirando-lhe o aparato e as empoeiradas usanças, era preciso admitir no clero certa elevação de vistas que infelizmente não lhe coube na partilha da humanidade. Sem exageração, o nosso clero é tacanho e mesquinho; nada enxerga para fora das paredes da sacristia, metade por ignorância, metade por sistema. Notem bem que eu não digo fanatismo ou excesso de fé. Neste desânimo, foi uma verdadeira e agradável surpresa a resolução tomada pela respectiva ordem, de suprimir a procissão de Cinzas, principalmente pelas razões em que se fundou a resolução e que concluem do mesmo modo que as censuras dos verdadeiros católicos. 
Esta novidade, tanto mais admirou quanto a Cruz, jornal religioso desta Corte, órgão do clero, dando a notícia, se aliou um tanto às idéias que tinham determinado a resolução. 
Não há louvor bastante para essa resolução; as procissões, não as aturam um ânimo religioso e civilizado; não fazem vir, desgostam a verdadeira fé, e, em troca disso, é positivo que não dão proveito algum. 
Vinha a propósito refletir sobre a educação religiosa do nosso povo; apreciar a maneira por que se lhe incute a fé, fazendo o espetáculo e o fausto profano àquilo que é serviço do ensino e da palavra cristã. Não há melhor caminho para o materialismo, para a indiferença e para a morte da fé. 
Deve instalar-se brevemente uma utilíssima associação de homens de letras. É coisa nova no país, mas de tal importância que me parece não encontrar o menor obstáculo. Trata-se de instituir leituras públicas de obras originais; para isso convidam-se os homens de letras residentes nesta Corte; talvez a esta hora a instalação seja coisa feita. 
A iniciativa pertence a um distinto e erudito escritor que afaga a idéia de há muito e que uma vez por todas se lembrou de praticá-la ou abandoná-la, se não tivesse aceitação. 
Não creio que tão nobre esforço seja sem efeito. 
Naturalmente na próxima crônica estarei habilitado a falar dessa associação e das bases que houver adotado até lá, fico pedindo ao Deus dos escritores, se há um especial para eles, que ampare e dê vida a tão proveitosa idéia. Afazer o povo leituras sãs, educá-lo no culto do belo, ir-lhe encaminhando o espírito para a reflexão e concentração, trocando as diversões fáceis pela aplicação proveitosa, eis aí em resumo os grandes resultados desta idéia. 
A direção do Ateneu Dramático fez há tempos uma excelente aquisição. Para dar começo ao ensino prático, que faz base do seu programa, convidou o Sr. Emilio Doux, que vai ensinar aos artistas ali contratados os preceitos da arte, acompanhando esse ensino as diferentes peças que se forem representando. 
É claro que nas circunstâncias em que nos achamos relativamente a teatro, este ato pode ser fecundo de resultados, e é digno de menção. Ele prova que a direção do Ateneu Dramático aceita o cargo que se impôs, com uma missão de progresso, e que procura por todos os meios a seu alcance chegar a resultados definitivos. 
Não são, portanto, auxiliares que faltam ao governo, se ele quiser tomar a peito a criação de um teatro normal; a insistência da iniciativa individual, que dá tão acertadas providências, esta indicando que o pensamento do governo pode encontrar hábeis mãos executoras. 
O Ateneu Dramático, se perecer no meio dos esforços, ficará como um grande exemplo de coragem, de trabalho, de amor ao progresso, e o que é mais, um exemplo de verdadeiro progresso. 
É força terminar; termino, não sem convidar o leitor a ir ouvir a Risette do Alcazar. Houve gente de mau gosto que procurou fazer crer que esta não é a verdadeira Risette. 
Eh ! non, non, non, 
Vous n’êtes pas Risette... 
Não sei; não lhe vi a certidão de nascimento; mas se não é a tal Risette, é uma grande Risette, com certeza. 
Tenho a honra...

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