sexta-feira, 18 de fevereiro de 2022

Contos do Sábado na Usina: Olavo Bilac: O PECADO:

 


A Anacleta ia caminho da igreja, muito atrapalhada, pensando no modo porque havia de dizer ao confessor os seus pecados... Teria a coragem de tudo? E a pobre Anacleta tremia só com a idéia de contar a menor daquelas cousas ao severo padre Roxo, um padre terrível, cujo olhar de coruja punha um frio na alma da gente. E a desventurada ia quase chorando de desespero, quando, já perto da igreja, encontrou a comadre Rita. 
Abraços, beijos... E lá ficam as duas, no meio da praça, ao sol, conversando. 
— Venho da igreja, comadre Anacleta, venho da igreja... Lá me confessei com o padre Roxo, que é um santo homem... 
— Ai! comadre! — gemeu a Anacleta — também para lá vou... e se soubesse com que medo! Nem sei se terei a ousadia de dizer os meus pecados... Aquele padre é tão rigoroso... 
— Histórias, comadre, histórias! — exclamou a Rita — vá com confiança e verá que o padre Roxo não é tão mal como se diz... 
— Mas é que meus pecados são grandes... 
— E os meus então, filha? Olhe: disse-os todos e o Sr. padre Roxo me ouviu com toda a indulgência... 
— Comadre Rita, todo o meu medo é da penitência que ele me há de impor, comadre Rita... 
— Qual penitência, comadre?! — diz a outra, rindo — as penitências que ele impõe são tão brandas!... Quer saber? contei-lhe que ontem o José Ferrador me deu um beijo na boca... um grande pecado, não é verdade? Pois sabe a penitência que o padre Roxo me deu?... mandou-me ficar com a boca de molho na pia de água benta durante cinco minutos... 
— Ai! que estou perdida, senhora comadre, ai! que estou perdida! — desata a gritar a Anacleta, rompendo num pranto convulsivo — Ai! que estou perdida! 
A comadre Rita, espantada, tenta em vão sossegar a outra: 
— Vamos, comadre! que tem? então que é isso? sossegue! tenha modos! que é isso que tem? 
E a Anacleta, chorando sempre: 
— Ai, comadre! é que, se ele me dá a mesma penitência que deu á senhora, 

— não sei o que hei de fazer! 

— Porque, filha? porque? 

— Porque... porque... afinal de contas... eu não sei como é que... hei de tomar um banho de assento na pia!... 

Fim

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