Os dias que
antecederam o regresso dos rapazes à sede da guarnição tinham sido de chuvas
torrenciais. Na serra, principalmente, havia chovido muito. E, avolumado pelos
riachos da montanha, o rio Araçá rolava agora transformado em torrente,
arrastando galhos de árvores e moitas de aninga no turbilhão das suas águas
escachoantes. Comprimido pelas ribanceiras, que ia lambendo numa volúpia
furiosa de sátiro, fazia vertigem vê- lo. De quando em quando, um ruído cavo
alarmava os moradores ribeirinhos. Era a queda de um barranco, de uma barreira
da margem, que logo se dissolvia em rodopios, na retorta diabólica daquelas
águas.
Os galos amiudavam. Uma brisa fresca sacudia as árvores, fazendo estalar no chão os pingos da chuva acumulados nas folhas. Pé ante pé, o xale ao ombro, Maria Inácia entrou no quarto do João. Ajoelhou-se à sua cabeceira, beijou-lhe a testa, os cabelos, a mão abandonada para fora da cama. Ergueu-se, tomando o rumo da porta, e, de lá, enviando um último olhar ao filho adormecido, saiu como uma sombra.
À margem do rio, parou, olhando a torrente. As águas gorgolejavam sinistramente lá em baixo, no escuro. Ajoelhou-se, persignou-se, e balbuciou, trêmula, a oração dos mortos. Chegou o xale mais para o corpo magro, num arrepio. E, fechando os olhos, deixou-se rolar, como um fardo, pelo declive da ribanceira ... Só dois dias depois, três léguas abaixo da vila, entre duas pedras, foi pescado o cadáver. As mãos, que tanto haviam rezado, tinham sido, já, devoradas pelos peixes.
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