sábado, 20 de novembro de 2021

Contos do Sábado na Usina: A Promessa VII:



Os dias que antecederam o regresso dos rapazes à sede da guarnição tinham sido de chuvas torrenciais. Na serra, principalmente, havia chovido muito. E, avolumado pelos riachos da montanha, o rio Araçá rolava agora transformado em torrente, arrastando galhos de árvores e moitas de aninga no turbilhão das suas águas escachoantes. Comprimido pelas ribanceiras, que ia lambendo numa volúpia furiosa de sátiro, fazia vertigem vê- lo. De quando em quando, um ruído cavo alarmava os moradores ribeirinhos. Era a queda de um barranco, de uma barreira da margem, que logo se dissolvia em rodopios, na retorta diabólica daquelas águas.

 A viagem estava marcada para as nove da manhã seguinte. Amorosa, meiga, solicita, Maria Inácia passou todo o dia ao lado do filho, extremando- se em cuidados, em meiguice, em desvelos. Beijava- o de instante a instante, abraçando-o com toda a força da sua fraqueza, como se quisesse apegar-se a ele, e não o soltar mais.

 À  noite houve uma festa de despedida em casa de um dos licenciados. Maria Inácia ficou em casa, ajoelhada diante do oratório, rezando. Pela madrugada, o João entrou. Vinha suado, cansado, exausto de dançar.

 - Despe-te, meu filho, e dorme, - disse-lhe a velha, abençoando-o.

Os galos amiudavam. Uma brisa fresca sacudia as árvores, fazendo estalar no chão os pingos da chuva acumulados nas folhas. Pé ante pé, o xale ao ombro, Maria Inácia entrou no quarto do João. Ajoelhou-se à sua cabeceira, beijou-lhe a testa, os cabelos, a mão abandonada para fora da cama. Ergueu-se, tomando o rumo da porta, e, de lá, enviando um último olhar ao filho adormecido, saiu como uma sombra.

À   margem do rio, parou, olhando a torrente. As águas gorgolejavam sinistramente lá em baixo, no escuro. Ajoelhou-se, persignou-se, e balbuciou, trêmula, a oração dos mortos. Chegou o xale mais para o corpo magro, num arrepio. E, fechando os olhos, deixou-se rolar, como um fardo, pelo declive da ribanceira ... Só dois dias depois, três léguas abaixo da vila, entre duas pedras, foi pescado o cadáver. As mãos, que tanto haviam rezado, tinham sido, já, devoradas pelos peixes.

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