quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis: SOMBRAS:



Que tienes? que estás pensando
Gloria de mi pensamiento?*
Cervantes*
Quando, assentada à noite, a tua fronte inclinas,

E cerras descuidada as pálpebras divinas,
E deixas no regaço as tuas mãos cair,
E escutas sem falar, e sonhas sem dormir,
Acaso uma lembrança, um eco do passado,

Em teu seio revive?
O túmulo fechado
Da ventura que foi, do tempo que fugiu,
Por que razão, mimosa, a tua mão o abriu?

Com que flor, com que espinho, a importuna memória
Do teu passado escreve a misteriosa história?
Que espectro ou que visão ressurge aos olhos teus?
Vem das trevas do mal ou cai das mãos de Deus?

É saudade ou remorso? é desejo ou martírio? 
Quando em obscuro templo a fraca luz de um círio
 Manteve-se fidelidade ao texto original, 
por isso não se usou o sinal gráfico espanhol.

Apenas alumia a nave e o grande altar
E deixa todo o resto em treva, — e o nosso olhar
Cuida ver ressurgindo, ao longe, dentre as portas,
As sombras imortais das criaturas mortas,

Palpita o coração de assombro e de terror;
O medo aumenta o mal. Mas a cruz do Senhor,
Que a luz do círio inunda, os nossos olhos chama;
O ânimo esclarece aquela eterna chama;

Ajoelha-se contrito, e murmura-se então
A palavra de Deus, a divina oração.
Pejam sombras, bem vês, a escuridão do templo;
Volve os olhos à luz, imita aquele exemplo;
Corre sobre o passado impenetrável véu;
Olha para o futuro e vem lançar-te ao céu.

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