quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

Poesia de Quinta na Usina: Machado de Assis: LA MARCHESA DE MIRAMARi:

 


 

A misérrima Dido
Pelos paços reais vaga ululando.
Garção
De quanto sonho um dia povoaste
A mente ambiciosa,

Que te resta? Uma página sombria,
A escura noite e um túmulo recente.
Ó abismo! Ó fortuna! Um dia apenas Viu erguer, viu cair teu frágil trono.
Meteoro do século, passaste,

Ó triste império, alumiando as sombras. A noite foi teu berço e teu sepulcro.
Da tua morte os goivos inda acharam
Frescas *as rosas dos teus breves dias;
E no livro da história uma só folha
A tua vida conta: sangue e lágrimas.

No tranqüilo castelo,
Ninho de amor, asilo de esperanças,
A mão de áurea fortuna preparara,
Menina e moça, um túmulo aos teus dias.

Junto do amado esposo,
Outra c’roa cingias mais segura,
A coroa do amor, dádiva santa
Das mãos de Deus. No céu de tua vida
Uma nuvem sequer não sombreava

A esplêndida manhã; estranhos eram
Ao recatado asilo
Os rumores do século.
Estendia-se

Em frente o largo mar, tranqüila face
Como a da consciência alheia ao crime,
E o céu, cúpula azul do equóreo leito.
Ali, quando ao cair da amena tarde,
No tálamo encantado do ocidente,

O vento melancólico gemia,
E a onda murmurando,
Nas convulsões do amor beija a areia,
Ias tu junto dele, as mãos travadas,
Os olhos confundidos,

Correr as brandas, sonolentas águas,
Na gôndola discreta. Amenas flores
Com suas mãos teciam
 Na errata consta Fuscas

As namoradas Horas; vinha a noite,
Mãe de amores, solícita descendo,
Que em seu regaço a todos envolvia,
O mar, o céu, a terra, o lenho e os noivos.

Mas além, muito além do céu fechado,
O sombrio destino, contemplando
A paz*do teu amor, a etérea vida,
As santas efusões das noites belas,
O terrível cenário preparava

A mais terríveis lances.
Então surge dos tronos
A profética voz que anunciava
Ao teu crédulo esposo:

“Tu serás rei, Macbeth!” Ao longe, ao longe, No fundo do oceano, envolto em névoas, Salpicado de sangue, ergue-se um trono. Chamam-no a ele as vozes do destino. Da tranqüila mansão ao novo império Cobrem flores a estrada, — estéreis flores Que mal podem cobrir o horror da morte. Tu vais, tu vais também, vítima infausta; O sopro da ambição fechou teus olhos...
Ah! quão melhor te fora
No meio dessas águas

Que a régia nau cortava, conduzindo
Os destinos de um rei, achar a morte:
A mesma onda os dois envolveria.
Uma só convulsão às duas almas

O vínculo quebrara, e ambas iriam,
Como raios partidos de uma estrela,
À eterna luz juntar-se.
Mas o destino, alçando a mão sombria,

Já traçara nas páginas da história
O terrível mistério. A liberdade
Vela naquele dia a ingênua fronte.
Pejam nuvens de fogo o céu profundo.
Orvalha sangue a noite mexicana...

Viúva e moça, agora em vão procuras
No teu plácido asilo o extinto esposo.
Interrogas em vão o céu e as águas.
Apenas surge ensangüentada sombra

Nos teus sonhos de louca, e um grito apenas,
Um soluço profundo reboando
Pela noite do espírito, parece 
Os ecos acordar da mocidade.

No entanto, a natureza alegre e viva,
Ostenta o mesmo rosto.
Dissipam-se ambições, impérios morrem.
Passam os homens como pó que o vento

Do chão levanta ou sombras fugitivas.
Transformam-se em ruína o templo e a choça.
Só tu, só tu, eterna natureza,
Imutável, tranqüila,
Como rochedo em meio do oceano,

Vês baquear os séculos.
Sussurra
Pelas ribas do mar a mesma brisa;
O céu é sempre azul, as águas mansas;
Deita-se ainda a tarde vaporosa

No leito do ocidente;
Ornam o campo as mesmas flores belas...
Mas em teu coração magoado e triste,
Pobre Carlota! o intenso desespero

Enche de intenso horror o horror da morte.
Viúva da razão, nem já te cabe
A ilusão da esperança.
Feliz, feliz, ao menos, se te resta,
Nos macerados olhos,

O derradeiro bem: — algumas lágrimas!



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