sexta-feira, 22 de julho de 2022

Contos do Sábado na Usina: Artur Azevedo:



A “RÉCLAME’
A Assis Pacheco 
II 

Laura, que até então ignorava a existência do poeta Passos Nogueira, começou a interessar-se muito por ele, graças à réclame feita pelo comendador. Sentia-se atraída pela figura daquele horrendo sedutor de solteiras, casadas e viúvas, e duas vezes ao dia, reclinada à janela, olhava longamente para o poeta. 
Este acabou por notar a insistência com que era contemplado pela vizinha, e prontamente correspondeu aos seus olhares lânguidos e prometedores. 
Estabeleceu-se logo entre eles um desses namoros saborosos e terríveis, ridículos e absorventes, que monopolizam duas existências. 
Para justificar a precipitação dos fatos, digamos que Laura, mulher de vinte e seis anos, romântica e nervosa, casara-se, muito nova ainda, com o comendador Viana, homem quinze anos mais velho que ela, curto e positivo, que não correspondia absolutamente ao seu ideal de moça. 
Digamos ainda que o poeta Passos Nogueira, rapaz de talento vantajosamente apreciado, atordoou-se quando se viu provocado pelos bonitos olhos de uma bela mulher casada. Apesar da reputação que gozava e da qual se fizera eco o próprio comendador, Passos Nogueira jamais inscrevera ao seu canhenho de conquistas fáceis aventura tão interessante tão considerável como essa que agora lhe desassossegava o espírito e lhe espantava as rimas. 
Digamos ainda que o comendador continuava todos os dias a fazer réclame ao namorado, referindo-se à sua pessoa em termos desabridos, insultando-o de modo que ele não ouvisse, e, finalmente, exprobrando a Laura, por mera presunção, que ela o animasse e lhe desse corda. 
Não tardou que o poeta escrevesse à vizinha um bilhete, lançado por cima do muro que separava as duas casas. Perguntava-lhe pelo seu nome e pedia uma entrevista. Ela respondeu: “Não! não é possível! Não me persiga! Esqueça-se de mim! Bem vê que não sou livre! Um encontro poderia causar a nossa desgraça!” 
Mas, não obstante desengano tão decisivo e formal, no dia seguinte os olhos da moça encontraram-se com os do poeta. Ela sentia a necessidade, o dever de fugir daquele homem, mas não tinha forças para fazê-lo. E o namoro continuou. 
Dois dias depois, novo bilhete. Ela abriu-o sôfrega e palpitante, - e leu estes versos: “Eu não sou livre”, escreveste; 
Porém, se livre não era, 
Por que com tantas quimeras Encheste um cérebro nu? 
Pedes que não te persiga... Mas, por teus olhos ferido, Reflete que o perseguido Sou eu, meu anjo, e não tu! 
Quando da tua janela Atiras aos meus desejos Olhares que valem beijos, 
Por que tens beijos no olhar; Quando esses ternos olhares Com meus olhares se cruzam, Teus lindos olhos abusam 
Do seu condão de encantar! 
Não te compreendo, vizinha; Tu mesma não te compreendes: Fazes-te amar, e pretendes 
Que eu fuja e te deixe em paz! Mas não vês que é negativo Este sistema que empregas? 
Tudo, escrevendo, me negas, 
— E, olhando, tudo me dás! 
Vizinha, bela vizinha, Vizinha por quem padeço, Pois tais palavras mereço Que me fizeram chorar? O prometido é devido... 
Para que o peito me aquietes, Ou dá-me quanto prometes, Ou não prometas em dar!

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