domingo, 8 de maio de 2022

Dante Alighieri: A Divina Comédia:



Assim baixava, para agravo à pena, 
Lume eterno que à areia se prendia,
39 Como à isca a fagulha mais pequena.
Cada qual sem repouso se estorcia,
A um lado e a outro os braços revolvendo
42 A cada chama, que do ar chovia.
“Mestre” — falei — “que vais tudo vencendo, 
Somente exceto a legião furente,
45 Que em Dite a entrada estava-nos tolhendo,
“Diz quem seja a grã sombra, que não sente, 
Ao parecer, o incêndio, e não domado
48 Pela chuva, já rápido, insolente?” —
Reconhecendo o próprio condenado 
Que da minha pergunta fora objeto,
51 “Morto sou qual fui vivo!” clama irado.
“Que Jove canse o armeiro seu dileto, 
De quem tomou fremente o agudo raio 
54 Para em mim saciar rancor abjeto;
“Que os seus cíclopes sintam já desmaio 
De Mongibello na oficina negra,
57 Aos gritos — “Bom Vulcano, acode ou caio!” —
“Como fez na peleja lá de Flegra;
Que me fulmine de ódio e sanha cheio:
60 No gozo da vingança em vão se alegra”. —
Virgílio então, com voz, como não creio 
Lhe ter ouvido, sonorosa e forte,
63 Bradou-lhe: “Capaneu, pois no teu seio
“Não mitiga a soberda a própria morte, 
Sofre mor pena; igual não há castigo
66 Ao que a raiva te inflige desta sorte!” —
Para mim se voltou; com gesto amigo Falou: 
— “Dos Reis que Tebas sitiaram 
69 Foi um; de Deus se declarara imigo.
“Os crimes seus no inferno se agravaram; 
Já disse-lhe, as blasfêmias, os furores
72 Digno prêmio em seu peito lhe deparam.
“Vem agora após mim; pelos fervores 
Não caminhes da areia incandescente;
75 Da selva ao longo evitas-lhe os ardores”. —
Fomos andando, cada qual silente, 
Até onde jorrar do bosque eu via
78 Rubro arroio, que lembro inda tremente.

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