Recife, Ponte Buarque de Macedo. Eu, indo em direção à casa do Agra,
Assombrado com a minha sombra magra, Pensava no Destino, e tinha medo!
Na austera abóbada alta o
fósforo alvo Das estrelas luzia... O calçamento Sáxeo, de asfalto rijo, atro e
vidrento, Copiava a polidez de um crânio alvo.
Lembro-me bem . A ponte era comprida, E a minha sombra enorme enchia a
ponte, Como uma pele de rinoceronte Estendida
por toda a minha vida!
A noite fecundava o ovo dos
vícios Animais. Do carvão da treva imensa Caía um ar danado de doença Sobre a
cara geral dos edifícios!
Tal uma horda feroz de cães
famintos, Atravessando uma estação deserta, Uivava dentro do eu, com a boca
aberta, A matilha espantada dos instintos!
Era como se, na alma da cidade,
Profundamente lúbrica e revolta, Mostrando as carnes, uma besta solta Soltasse
o berro da animalidade.
E aprofundando o raciocínio
obscuro, Eu vi, então, à luz de áureos reflexos, O trabalho genésico dos sexos,
Fazendo à noite os homens do Futuro.
Dançavam, parodiando saraus
cínicos, Bilhões de centrossomas apolínicos Na câmara promíscua do vitellus.
Mas, a irritar-me os globos
oculares, Apregoando e alardeando a cor nojenta, Fetos magros, ainda na
placenta, Estendiam -me as mãos rudimentares!
Mostravam -me o apriorismo incognoscível Dessa fatalidade igualitária,
Que fez minha família originária Do antro daquela
fábrica terrível!
A corrente atmosférica mais
forte Zunia. E, na ígnea crosta do Cruzeiro, Julgava eu ver o fúnebre candeeiro
Que há de me alumiar na hora da morte.
Ninguém compreendia o meu soluço, Nem mesmo Deus! Da roupa pelas
brechas,
O ventobravo me atirava flechas E aplicações
hiemais de gelo russo.
A vingança dos mundos
astronômicos Enviava à terra extraordinária faca, Posta em rija adesão de goma
laca Sobre os meus elementos anatômicos.
Ah! Com certeza, Deus me
castigava! Por toda a parte, como um réu confesso, Havia um juiz que lia o meu
processo E uma forca especial que me esperava!
Mas o vento cessara por instantes Ou, pelo menos, o ignis sapiens do
Orco Abafava-me o peito arqueado e porco Num núcleo de substâncias abrasantes.
É bem possível que eu umdia cegue. No ardor desta letal tórrida zona,
Essa
obsessão cromática me abate.
Não sei por que me vêm sempre à lembrança O estômago esfaqueado de uma
criança
E um
pedaço de víscera escarlate. Quisera qualquer coisa provisória Que a minha
cerebral caverna entrasse, E até ao fim, cortasse e recortasse A faculdade
aziaga da memória.
Na ascensão barométrica da calma, Eu bem sabia,
ansiado e contrafeito, Que uma população doente do peito Tossia sem remédio na
minh’alma!
E o cuspo que essa hereditária
tosse Golfava, à guisa de ácido resíduo, Não era o cuspo só de um indivíduo
Minado pela tísica precoce.
Não! Não era o meu cuspo, com
certeza Era a expectoração pútrida e crassa Dos brônquios pulmorares de uma
raça Que violou as leis da Natureza!
Era antes uma tosse ubíqua,
estranha, Igual ao ruído de um calhau redondo Arremessado no apogeu do
estrondo, Pelos fundibulários da montanha!
E a saliva daqueles infelizes
Inchava, em minha boca, de tal arte, Que eu, para não cuspir por toda a parte,
Ia engolindo, aos poucos, a hemoptísis!
Na alta alucinação de minhas cismas O microcosmos
líquido da gota
Tinha a abundância de uma
artéria rota,
Chegou-me o estado máximo da
mágoa! Duas, três, quatro, cinco, seis e sete Vezes que eu me furei com um
canivete, A hemoglobina vinha cheia de água!
Cuspo, cujas caudais meus beiços regam, Sob a forma de mínimas
camândulas, Benditas sejam todas essas glândulas, Que, quotidianamente, te
segregam!
Escarrar de um abismo noutro
abismo, Mandando ao Céu o fumo de um cigarro, Há mais filosofia neste escarro
Do que
em toda a moral do Cristianismo!
Porque, se no orbe oval que os meus pés tocam Eu não deixasse o meu
cuspo carrasco, Jamais exprimiria o acérrimo asco
Que os
canalhas do mundo me provocam!
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