Ah, por onde poderia eu começar meu sonho? Quem sabe pelo primeiro momento da minha fecundação, dias que se seguem, de quanta expectativa, poderia eu tão frágil romper aquela moldura que me protegia do perigo do mundo.
Ah, mas que mundo, se eu o desconhecia e nunca tinha estado nele. Finalmente é chegado o tão sonhado dia que num esforço sobre-humano rompia a grande moldura.
E lá estava eu, naquele lugar que dali em diante seria meu mundo. Qual não foi a minha surpresa em ver ao meu lado algo que me afagava com um cantar melodioso que agradava os meus ouvidos.
E pensar que tudo aquilo era para festejar a minha chegada.
Ah, quanta surpresa a vida me guardava, a minha primeira refeição, um degustar estranho e eu nem se quer sabia bem o que era. Bem isso não importava, por que o que me comovia mesmo eram a paciência e a capacidade com a qual aquela criatura de olhar angelical que mais tarde fiquei sabendo, era a minha mãe. Tratava-me com orgulho como se eu fosse um troféu valioso.
Ah, quantos mistérios me cercava, minha indagação era para com aquele ser imponente que ao longe me observava, com olhar autoritário, com seu porte e plumagem formosa, aquele ser que na ausência de minha mãe era todo ouvido, e que de repente atacava impiedosamente aqueles que ousavam se aproximar. Para mim era um gigante a me proteger.
Ah, quantos sonhos, quanta admiração e dúvidas em ver aquele que me rodeava sumir em vôos rasantes a cortar o horizonte sem fim, assim como os meus sonhos.
Ah, quanta angústia separava o sonho da realidade. Os dias pareciam cada vez mais lentos e sem muitas novidades, até que em um dia maravilhoso a minha plumagem florescia como grama em campo fértil.
Ah, quanta felicidade, finalmente era chegada a hora que provaria do bem mais valioso do ser, a fantástica liberdade.
Ah, quantas dúvidas e incertezas passavam em meus pensamentos, ainda, tão infantis e sob o olhar de orgulho e de dever cumprido dos meus pais. Finalmente, dei meus primeiros vôos para a tão sonhada liberdade.
Ah, quantas coisas novas pude ver naquele horizonte sem fim, eu me sentia senhor de mim, era como se o mundo estivesse sido criado para mim e não eu para o mundo. Eu que era a caça tornei-me um feroz caçador, finalmente poderia escolher meu alimento, bem como o lugar que fosse ideal para meu repouso e cantar as melodias que mais gostasse.
Ah, para liberdade de voar não existe parâmetro de comparação, ela é única e indescritível.
Ah, quantos desafios teria eu nesta longa jornada que é a vida. Eu que era senhor de mim, o infinito era o meu limite. Ah, quanta ilusão, quantos sonhos desperdiçados com coisas fúteis que nunca me engrandeceram em nada... E como para os tolos meu tempo passou rápido demais. A minha juventude se perdeu na imensidão do amanhecer. Sem que eu percebesse.
Ah, quantas coisas se passaram sem que eu pode se imaginar a sua verdadeira importância.
Finalmente despertei-me de que já se aproximava o meu fim e o mais triste, não liguei para o fato de que não tinha deixado sequer a continuidade da minha espécie. Ah! Eu sempre a fingir não ver o meu tempo passar.
Ah quanto me arrependo de não ter dado a devida importância ao tempo que me foi outorgado e que eu não soube aproveitá-lo. Eu um pássaro sonhador que se perdeu em seu próprio sonho.
Ah, mas o que importa sonho vivido ou sonho perdido será sempre só um sonho.
FIM
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