domingo, 24 de julho de 2022

Crônicas de Segunda na Usina: AURIDAN DANTAS: SAGA DE UM BERADEIRO – BILOCA NO DENTISTA:


A atuação de um dentista em uma cidade do interior sempre leva ao “ajuntamento” de muitas histórias. Quando estive como dentista na cidade de São Tomé, vivenciei muitos causos. 
A sala do consultório odontológico, por incrível que pareça, não tinha paredes até o teto. Era meia parede. Resultado: eu ouvia tudo o que se falava na sala de espera, assim como quem estava na sala de espera ouvia tudo o que ocorria no consultório. E no interior é assim: na sala de espera, os homens são muito valentes e corajosos, e as mulheres são mais recatadas e falam pouco. 
Em dia de feira, os marmanjos, invariavelmente, já chegam “mamados”, e dizem logo: vou mandar o doutor “distrair” três dentes de uma vez. Quando abrem a boca, você sente uma variação de odores, que vai de um rolo de fumo a uma buchada, passando por quatro doses de conhaque “Dreher” e duas lapadas de cana, sem falar nos pedacinhos de arribaçã presos nos dentes. A anestesia é o que faz menos efeito. 
Nessa cidade tinha um cidadão chamado de Biloca. Trabalhava na casa do prefeito. Era uma verdadeira comédia. E ele foi ao consultório. Não bebeu. E realmente precisava extrair um dente. 
Ficou escutando todo tipo de história e estória na sala de espera, e já entrou todo nervoso. Porque tem também aquelas pessoas que gostam de ficar contando todo tipo de “milacria” enquanto esperam a vez, e sentem o maior prazer em fazer medo aos demais. Biloca já não era dos mais corajosos, e ficar escutando terror foi de lascar. 
Examinei a situação do dente, e expliquei o que seria necessário fazer, e fiz a anamnese. Tudo ok. Comecei os procedimentos. 
Passei a famosa pomadinha, antes da anestesia, e fiz a anestesia. Quando constatei que já não havia sensibilidade na área que iria atuar, iniciei a “sindesmotomia”. Pronto, só um nome desses, já faz qualquer cidadão se “mijar” de medo. Quanto mais o Biloca. Ele começou a ir descendo na cadeira. 
E eu perguntava: Biloca está sentindo alguma coisa? E ele: naaammmm. 
E eu: e porque você está descendo na cadeira? E ele: nadica de nada é só medo. 
E eu prossegui, até chegar o momento da “distração” propriamente dita. 
Quando segurei o “alicate” e ele viu, fechou os olhos, e acho que se danou a rezar. 
No momento em que posicionei o “alicate” no dente, ele foi descendo mais ainda na cadeira, e eu perguntava se estava doendo, afastava o alicate, e ele dizia: naamm. 
Só que ele continuou descendo, e só consegui concluir o procedimento, quando ele topou com os pés na parede, e não tinha mais para onde descer. Porém, eu fiquei quase de “coca” e a coluna “rangeu”. 
E para fazer a sutura? No interior, dente que precisa de “ponto” é dente difícil ou dente “quêro”, mas eu fazia sutura após todas as exodontias. E o danado do Biloca começou tudo de novo. 
Resultado: pensei em mandar fazer um tamborete pe- queno, para usar nestas ocasiões, senão ficaria aleijado. Mas fiquei foi “penso”, porque o tamborete não saiu.


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