quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Poesia de Quinta na Usina: Laurindo Ribeiro: O QUE SÃO MEUS VERSOS:


 Se é vate quem acesa a fantasia Tem de divina luz na chama eterna; Se é vate quem do mundo o movimento C’o movimento das canções governa; Se é vate quem tem n’alma sempre abertas Doces, límpidas fontes de ternura, Veladas por amor, onde se miram As faces da querida formosura; Se é vate quem dos povos, quando fala, As paixões vivifica, excita o pasmo, E da glória recebe sobre a arena As palmas, que lhe of’rece o entusiasmo; Eu triste, cujo fraco pensamento Do desgosto gelou fatal quebranto; Que, de tanto gemer desfalecido, Nem sequer movo os ecos com meu canto; Eu triste, que só tenho abertas n’alma Envenenadas fontes d’agonia, Malditas por amor, a quem nem sombra De amiga formosura o céu confia; Eu triste, que, dos homens desprezado, Só entregue a meu mal, quase em delírio, Ator no palco estreito da desgraça, Só espero a coroa do martírio; Vate não sou, mortais; bem o conheço; Meus versos, pela dor só inspirados, — Nem são versos — menti — são ais sentidos, Às vezes, sem querer, d’alma exalados; São fel, que o coração verte em golfadas Por contínuas angústias comprimido; São pedaços das nuvens, que m’encobrem Do horizonte da vida o sol querido; São anéis da cadeia, qu’arrojou-me 2 Aos pulsos a desgraça, ímpia, sanhuda; São gotas do veneno corrosivo, Que em pranto pelos olhos me transuda. Seca de fé, minha alma os lança ao mundo, Do caminho que levam descuidada, Qual, ludíbrio do vento, as secas folhas Solta a esmo no ar planta mirrada.

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