O plano de Luís
Soares estava feito.
Tratava-se de
abater as armas pouco a pouco, simulando-se vencido diante da influência de
Adelaide. A circunstância da riqueza tornava necessária toda a discrição. A
transição devia ser lenta. Cumpria ser diplomata.
Os leitores terão
visto que, apesar de certa argúcia da parte de Soares, não tinha ele a perfeita
compreensão das coisas, e por outro lado o seu caráter era indeciso e vário.
Hesitara em casar
com Adelaide quando o tio lhe falou nisso, quando era certo que viria a obter
mais tarde a fortuna do major. Dizia então que não tinha vocação de papagaio. A
situação agora era a mesma; aceitava uma fortuna mediante uma prisão. É verdade
que se esta resolução era contrária à primeira, podia ter causa o cansaço que
lhe ia produzindo a vida que levava. Além de que, desta vez, a riqueza não se
fazia esperar: era entregue logo depois do consórcio.
-
Trezentos contos, pensava
o rapaz, é quanto basta para eu ser mais do que fui. O que não hão de dizer os outros!
Antevendo uma
felicidade que era certa para ele, Soares começou o assédio da praça, aliás
praça rendida.
Já o rapaz
procurava os olhos da prima, já os encontrava, já lhes pedia aquilo que
recusara até então, o amor da moça. Quando, à mesa, as suas mãos se
encontravam, Soares tinha o cuidado de demorar o contato, e se a moça retirava
a sua mão, o rapaz nem por isso desanimava. Quando se encontrava a sós com ela,
não fugia como outrora, antes lhe dirigia alguma palavra, a que Adelaide
respondia com fria polidez.
- Quer vender o peixe
caro, pensava Soares.
Uma vez
atreveu-se a mais. Adelaide tocava piano quando ele entrou sem que ela o visse.
Quando a moça acabou, Soares estava por trás dela.
- Que lindo! disse o
rapaz; deixe-me beijar-lhe essas mãos inspiradas.
A moça olhou séria
para ele, pegou no lenço que pusera sobre o piano, e saiu sem dizer palavra.
Esta cena mostrou a Soares toda a dificuldade da empresa; mas o rapaz confiava
em si, não porque se reconhecesse capaz de grandes energias, mas por espécie de
esperança na sua boa estrela.
-
É difícil subir a corrente, disse ele, mas sobe-se. Não se fazem
Alexandres na conquista
de praças desarmadas.
Contudo as
desilusões iam-se sucedendo, e o rapaz, se o não alentasse a idéia da riqueza,
teria abatido as armas.
Um dia lembrou-se
de escrever-lhe uma carta. Lembrou-se de que era difícil expor-lhe de viva voz
tudo quanto sentia; mas que uma carta, por muito ódio que ela lhe tivesse,
sempre seria lida.
Adelaide devolveu
a carta pelo moleque da casa que lha havia entregue.
A segunda carta
teve a mesma sorte. Quando mandou a terceira, o moleque não a quis receber.
Luiz Soares teve um
instante de desengano. Indiferente à moça, já começava a odiá-la; se casasse
com ela era provável que a tratasse como inimigo mortal.
A situação
tornava-se ridícula para ele; ou antes, já o era há muito, mas Soares só então
o compreendeu. Para escapar ao ridículo, resolveu dar um golpe final, mas
grande. Aproveitou a primeira ocasião que pôde, e fez uma declaração positiva à
moça, cheia de súplicas, de suspiros, talvez de lágrimas. Confessou os seu
erros; reconheceu que não a havia compreendido; mas arrependera-se e confessava
tudo. A influência dela acabara por abatê-lo.
- Abatê-lo! disse ela;
não compreendo. A que influência alude?
-
Bem sabe; à influência da sua beleza,
do seu amor... Não suponha
que lhe estou mentindo. Sinto- me hoje tão apaixonado que era
capaz de cometer um crime!
- Um crime?
-
Não é crime o suicídio? De que me serviria a vida
sem o seu amor? Vamos, fale! A moça
olhou para ele durante alguns instantes sem dizer palavra.
O rapaz
ajoelhou-se.
-
Ou seja a morte, ou seja a felicidade, disse ele, quero recebê-la de joelhos.
Adelaide sorriu e soltou lentamente estas palavras:
-
Trezentos contos! É muito dinheiro
para comprar um miserável.
E deu-lhe as costas.
Soares ficou
petrificado. Durante alguns minutos conservou-se na mesma posição, com os olhos
fitos na moça que se afastava lentamente. O rapaz dobrava-se ao peso da
humilhação. Não previra tão cruel desforra da parte de Adelaide. Nem uma
palavra de ódio, nem um indício de raiva; apenas um calmo desdém, um desprezo
tranqüilo e soberano. Soares sofrera muito quando perdeu a fortuna; mas agora
que o seu orgulho foi humilhado, a sua dor foi infinitamente maior.
Pobre rapaz!
A moça foi para
dentro. Parece que contava com aquela cena; porque entrando em casa, foi logo
procurar o tio, e declarou-lhe que, apesar de quanto venerava a memória do pai,
não podia obedecer-lhe, e desistia do casamento.
- Mas não o amas tu?
perguntou-lhe o major.
- Amei-o.
- Amas a outro?
- Não.
- Então explica-te.
Adelaide expôs
francamente o procedimento de Soares desde que ali entrara, a mudança que
fizera, a sua ambição, a cena do jardim. O major ouviu atentamente a moça,
procurou desculpar o sobrinho, mas no fundo ele acreditava que Soares era um
mau-caráter.
Este, depois que
pôde refrear a sua cólera, entrou em casa e foi despedir-se do tio até o dia
seguinte. Pretextou que tinha um negócio urgente.
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