sexta-feira, 29 de abril de 2022

A Divina Comédia: Dante Aliguieri:



No espaço, a que o penhasco é sobranceiro, 
Centauros correm, setas agitando,
57 Como soíam no viver primeiro.
Descer nos vendo, pára o ardido bando. 
Três de entre eles então nos demandaram, 
60 Os arcos e arremessos preparando.
Os brados de um de longe nos soaram:
— “Vós, que desceis, dizei a pena vossa;
63 De lá falai, ou tiros se disparam!” —
Virgílio respondeu: — “Resposta nossa 
Terá Quiron de perto, sem demora.
66 Sempre te dana a pressa que te apossa”. —
Tocou-me e disse: — “Quem nos fala agora 
É Nesso, o que morreu por Dejanira;
69 Mas se vingou de quem fatal lhe fora.
“Esse do meio, que o seu peito mira, 
Aio de Aquiles, é Quiron famoso;
72 Esse outro é Folo, sempre aceso em ira”. —
Aos mil em volta ao rio sanguinoso As almas seteavam, 
que excediam,
75 Mais do que é dado, o líquido horroroso.
Àqueles monstros que ágeis se moviam, 
Chegamo-nos. Quiron com seta ajeita
78 Os cabelos, que os lábios lhe encobriam.
Quando desta arte a larga boca afeita, Disse à companha: 
— “Haveis já reparado
81 Que move aquele tudo, em que os pés deita?
“Nunca assim pés de morto hão caminhado”. 
O Guia meu, que junto já lhe estava
84 Do peito, onde era um ser noutro enleado,
— “Vivo está, vem comigo” — lhe tornava 
— “A visitar o val maldito, escuro
87 Para cumprir dever, que lho ordenava.
“Deixando de cantar o hosana puro 
Alguém me há cometido o cargo novo. 
90 Não é ladrão, nem eu esp'rito impuro:
Em nome do poder, por quem eu movo
Os passos meus em tão medonha estrada,
93 Envia algum, que escolhas no teu povo,
“Por nos mostrar a parte acomodada
Ao vau, e no seu dorso haver transporte
96 Quem não é sombra ao vôo aparelhada”.

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