sexta-feira, 29 de abril de 2022



Quiron volveu-se à destra e a Nesso forte
— “Torna atrás” — disse — “e serve-lhes de guia:
99 Que outro bando o caminho lhes não corte!” —
Já partimos na fida companhia,
As ondas costeando rubras, quentes,
102 Donde agudo estridor ao ar subia.
Té os cílios no sangue os padecentes Eu vi. 
Disse o Centauro: — “São tiranos
105 Truculentos e em roubo preminentes.
“Chora-se aqui por feitos desumanos. 
Alexandre aqui está, Dionísio antigo 
108 Que gemer fez Sicília tantos anos.
“De negra coma, aqui sofre o castigo Azzolino; 
e o que está, louro, ao seu lado 
111 Obizzio d'Este, ao qual (verdade eu digo)
“Roubara a vida o pérfido enteado”. — 
E o Vate, a quem voltei-me, assim dizia:
114 — “O segundo lugar me é reservado”. —
Pouco além parou Nesso: olhar queria 
Uma turba, que, estando submergida, 
117 Toda a cabeça para fora erguia,
Disse, indicando uma alma retraída: 
“Perante Deus um coração ferira,
120 Que inda Londres venera estremecida”. —
A cabeça vi de outros, que subira 
Do rio à superfície e o inteiro busto,
123 Suas feições no mundo eu distinguira:
Ia baixando o sangue até que a custo 
Os pés cobria a quem passar quisesse: 
126 O fosso ali vencemos já sem custo.
“Se desta parte o borbulhão parece 
Do rio escassear, eu te asseguro”
129 — Disse Nesso — “que mais engrossa e desce
“Na parte oposta até juntar-se ao escuro Pego em que, 
como hás visto, a tirania 132 As penas dá no seu tormento duro.
“A divina justiça lá crucia
Esse Átila, que açoite foi da terra,
135 Pirro e Sexto; e redobrar-se a agonia
“Dos dois Renatos, que tamanha guerra Fizeram nas estradas, salteando,
— O Pazzo e o de Corneto”. — E a fala cerra.
139 Voltou depois do rio o vau passando.

Nenhum comentário:

Postar um comentário