sábado, 21 de maio de 2022

Contos do Sábado na Usina: Machado de Assis: A Mulher de Preto: VII:

 


- Quando quiser que eu lhe apresente o meu amigo Menezes... dizia Estêvão uma noite à viúva Magdalena. 
- Ah! é verdade; um dia destes. Vejo que o senhor é amigo dele. 
- Somos amigos íntimos. 
- Verdadeiros? 
- Verdadeiros. 
Magdalena sorriu; e como estava brincando com os cabelos do filho deu-lhe um beijo na testa. A criança riu alegremente e abraçou a mãe. 
A idéia de vir a ser pai honorário do pequeno apresentou-se ao espírito de Estêvão. Contemplou-o, chamou por ele, acariciou-o e deu-lhe um beijo no mesmo lugar em que pousaram os lábios de Magdalena. 
Estêvão tocava piano, e às vezes executava algum pedaço de música a pedido de Magdalena. Nessas e noutras distrações lá passavam as horas. 
O amor não adiantava um passo. 
Podiam ser ambos duas crateras prestes a rebentar a lava; mas até então não davam o menor sinal de si. 
Esta situação incomodava o rapaz, acanhava-o, e fazia-o sofrer; mas quando ele pensava em dar um ataque decisivo, era exatamente quando se mostrava mais covarde e poltrão. 
Era o primeiro amor do rapaz: ele nem conhecia as palavras próprias desse sentimento. Um dia resolveu escrever à viúva. 
- É melhor, pensava ele; uma carta é eloqüente e tem a grande vantagem de deixar a gente longe. Entrou para o gabinete e começou uma carta. 
Gastou nisso uma hora; cada frase ocupava-lhe muito tempo. Estêvão queria fugir à hipótese de ser classificado como tolo ou como sensual. Queria que a carta não respirasse sentimentos frívolos nem maus; queria revelar-se puro como era. 
Mas de que não dependem às vezes os acontecimentos? Estêvão estava relendo e emendando a carta quando lhe entrou por casa um rapazola que tinha intimidade com ele. Chamava-se Oliveira e passava por ser o primeiro janota do Rio de Janeiro. 
Entrou com um rolo de papel na mão. Estêvão escondeu rapidamente a carta. 
- Adeus, Estêvão! disse o recém-chegado. Estavas escrevendo algum libelo ou carta de namoro? 
- Nem uma nem outra coisa, respondeu Estêvão secamente. 
- Dou-te uma notícia. 
- Que é? 
- Entrei na literatura. 
- Ah! 
- É verdade, e venho ler-te a primeira comédia. 
- Deus me livre! disse Estêvão levantando-se. 
- Hás de ouvir, meu amigo; ao menos algumas cenas; dar-se-à caso que não me protejas nas letras? Anda cá; ao menos duas cenas. Sim? É pouca coisa. 
Estêvão sentou-se. 
O dramaturgo continuou: 
- Talvez prefiras ouvir a minha tragédia intitulada - O punhal de Bruto... 
- Não, não; prefiro a comédia: é menos sanguinária. Vamos lá. 
O Oliveira abriu o rolo, arranjou as folhas, tossiu e começou a ler o que se segue, com voz pausada e fanhosa:

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