sábado, 21 de maio de 2022

A Divina Comédia: Dante Alighieri:



— “Se o céu” — tornei — “meus votos escutando, 
Deferisse, da vida o lume agora
81 Ainda aos olhos vos raiara brando;
“Que a doce imagem vossa inda memora 
Saudosa a mente e o paternal desvelo
84 Com que me heis ensinado de hora em hora
“Como homem faz-se eternamente belo. 
Enquanto eu vivo for, agradecido
87 Ao mundo bem patente hei de fazê-lo.
“O vaticínio vosso, reunido
A outro, há de explicar-me sábia Dama,
90 Quando à sua presença houver subido.
“E como a consciência me não clama, 
Sabei que, quando a sorte avessa esteja,
93 A todo o mal sou prestes, que ela trama.
“O que ouvi não cuideis novo me seja: 
Volva-se a roda como a sorte a lança, 
96 Lavre a terra o vilão como deseja”. —
Então meu douto Mestre, que se avança, 
Girando à destra e me encarando, disse:
99 “Bem compreende quem tem boa lembrança!”
—Não me vedou, porém, que eu prosseguisse 
Na prática; e a Brunetto os mais famosos 
102 Pedi que dos seus sócios referisse.
— “Alguns convém saber, mais numerosos 
Em silêncio deixar louvável sendo:
105 Míngua o tempo aos discursos copiosos.
“Sabe, em suma, que clérigos havendo 
Todos sido e letrados mui famosos.
108 Se mancharam num só pecado horrendo.
“Vão na turba daqueles desditosos Acúrio e Prisciano; 
alguns protervos
111 Se ver quiseres, por tal lepra ascosos.
“Olha o que, como quis servo dos servos, 
Pra Bacchiglione foi do Arno mudado
114 E ali deixou seus deformados nervos.
“Não mais dizer, nem ir posso ao teu lado, 
Pois do areal já vejo de repente
117 Vapor novo surgir afogueado.

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