sábado, 21 de maio de 2022

Contos do Sábado na Usina: Machado de Assis: A mulher de Preto VI:



Magdalena estava na sala acompanhada de um filho. Ninguém mais. 
Eram nove horas e meia. 
- Viria eu cedo demais? perguntou ele à dona da casa. 
- O senhor nunca vem cedo. Estêvão inclinou-se. 
Magdalena continuou: 
- Se me acha só, é porque, tendo enfermado um pouco, mandei desavisar as poucas pessoas que eu havia convidado. 
- Ah! mas eu não recebi... 
- Naturalmente; eu não lhe mandei dizer nada. Era a primeira vez que o convidava; não queria por modo algum arredar de casa um homem tão distinto. 
Estas palavras de Magdalena não valiam coisa alguma, nem mesmo como desculpa, porque a desculpa é fraquíssima. 
Estêvão compreendeu logo que havia algum motivo oculto. Seria o amor? 
Estêvão pensou que era, e doeu-se, porque, apesar de tudo, sonhara uma paixão mais reservada e menos precipitada. Não queria, embora lhe agradasse, ser objeto daquela preferência; e mais que tudo achava-se embaraçadíssimo diante de uma mulher a quem começava a amar, e que talvez o amasse. Que lhe diria? Era a primeira vez que o médico achava-se em tais apuros. Há toda a razão para supor que Estêvão naquele momento preferia estar cem léguas distante, e, contudo, longe que estivesse pensaria nela. 
Magdalena era excessivamente bela, embora mostrasse no rosto sinais de longo sofrimento. Era alta, cheia, tinha um belíssimo colo, magníficos braços, olhos castanhos e grandes, boca feita para ninho de amores. 
Naquele momento trajava um vestido preto. A cor preta ia-lhe muito bem. 
Estêvão contemplava aquela figura com amor e adoração; ouvia-a falar e sentia-se encantado e dominado por um sentimento que não podia explicar. 
Era um misto de amor e de receio. 
Magdalena mostrou-se delicada e solícita. Falou no merecimento do rapaz e na sua nascente reputação, e instou com ele para que fosse algumas vezes visitá-la. 
Às 10 horas e meia serviu-se o chá na sala. Estêvão conservou-se lá até as onze horas. 
Chegando à rua o médico estava completamente namorado. Magdalena tinha-o atado no seu carro, e o pobre rapaz nem vontade tinha de quebrar o jugo. 
Caminhando para casa ia ele formando projetos: via-se casado com ela, amado e amante, causando inveja a todos, e mais que tudo feliz no seu interior. 
Quando chegou à casa, lembrou-se de escrever uma carta que mandaria no dia seguinte a Menezes. Escreveu cinco e rasgou-as todas. 
Afinal redigiu um simples bilhete nestes termos: 
"Meu amigo. - Você tem razão; na minha idade crê-se; eu creio e amo. Nunca o pensei; mas é verdade. Amo... Quer saber a quem? Hei de apresentá-lo em casa dela. Há de achá-la bonita... Se o é!..." 
A carta dizia muitas coisas mais; era tudo, porém, uma glosa do mesmo mote. 
Estêvão voltou à casa de Magdalena e as suas visitas começaram a ser regulares e assíduas. 
A viúva usava para com ele de tanta solicitude que não era possível duvidar do sentimento que a dirigia. Pelo menos Estêvão assim o pensava. Achava-a quase sempre só, e deliciava-se em ouvi-la. A intimidade começou a estabelecer-se. 
Logo na segunda visita, Estêvão falou-lhe em Menezes pedindo licença para apresentá-lo. A viúva disse que teria muito prazer em receber amigos de Estêvão; mas pedia-lhe que adiasse a apresentação. Todos os pedidos e todas as razões de Magdalena eram dignas para o médico; não disse mais nada. 
Como era natural, ao passo que as visitas à viúva eram mais assíduas, as visitas ao amigo eram mais raras. 
Menezes não se queixou; compreendeu, e disse-o ao rapaz. 
- Não se desculpe, acrescentou o deputado; é natural: a amizade deve ceder o passo ao amor. O que eu quero é que seja feliz. 
Um dia Estêvão pediu ao amigo que lhe contasse o motivo que o tinha feito descrer do amor, e se algum grande infortúnio lhe havia acontecido. 
- Nada me aconteceu, disse Menezes. 
Mas ao mesmo tempo, compreendendo que o médico merecia-lhe toda a confiança, e podia não acreditá-lo absolutamente, disse: 
- Por que negá-lo? Sim, aconteceu-me um grande infortúnio; amei também, mas não encontrei no amor as doçuras e a dignidade do sentimento; enfim, é um drama íntimo de que não quero falar: limite-se a pateá-lo.

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