quarta-feira, 3 de março de 2021

Poesia de Quinta na Usina: Fagundes Varela:

 


AURORA

Antes de erguer-se de seu leito de ouro,

O rei dos astros o Oriente inunda

De sublime clarão;

Antes de as asas desprender no espaço,

A tempestade agita-se e fustiga

O turbilhão dos euros.

 

As torrentes de idéias que se cruzam,

 

O pensamento eterno que se move

No levante da vida,

São auras santas, arrebóis esplêndidos,

Que precedem à vinda triunfante

De um sol imorredouro.

 

O murmurar profundo, enrouquecido,

 

Que do seio dos povos se levanta,

Anuncia a tormenta;

Essa tormenta salutar e grande

Que o manto roçará, prenhe de fogo,

Na face das nações.

 

Preparai-vos, ó turbas! Preparai-vos,

 

Rebatei vossos ferros e cadeias,

Algozes e tiranos!

A hora se aproxima pouco a pouco,

E o dedo do Senhor já volve a folha

Do livro do destino!

 

Grande há de ser o drama, a ação gigante,

 

Majestosa a lição! luzes e trevas

Lutarão sobre os orbes!

O abismo soltará seus tredos roncos,


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E o frêmito dos mares agitados

 

Se unirá aos das turbas.

 

Os reis convulsarão nos tronos frágeis,

 

Buscando embalde sustentar nas frontes

As úmidas coroas...

Debalde!... o vendaval na fúria insana

Os levará com elas, envolvidos

Num turbilhão de pó!

 

Vis, abatidos, o fidalgo e o rico

 

Sairão de seus paços vacilantes

Nos podres alicerces...

E errantes sobre a terra irão chorando,

Mendigar um farrapo ao vagabundo,

E um pedaço de pão!

 

Estranho povo surgirá da sombra

 

Terrível e feroz cobrindo os campos

De cruentos horrores!

O palácio e a prisão irão por terra,

E um segundo dilúvio, então de sangue,

O mundo lavará!

 

O sábio em seu retiro, estupefato,

 

Verá tombar a imagem da ciência,

Fria estátua de argila,

E um pálido clarão dirá que é perto

O astro divinal que às turbas míseras

Conduz a redenção!

 

Como aos dias primeiros do universo,

 

O globo se erguerá banhado em luzes,

Reflexos de Deus;

E a raça humana sob um céu mais puro

Um hino insigne enviará, prostrada

Aos pés do Onipotente!

 

Irmãos todos serão; todos felizes;

 

Iguais e belos, sem senhor nem peias,

Nem tiranos e ferros!

O amor os unirá num laço estreito,

E o trânsito da vida uma romagem

Se tornará celeste!

 

A hora se aproxima pouco a pouco;

 

O dedo do Senhor já volve a folha

Do livro do destino!...

Ergue-se a tela do teatro imenso,

E o mistério infinito se desvenda

Do drama do Calvário!


 


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