quarta-feira, 10 de março de 2021

Poesia de Quinta na Usina: Laurindo Ribeiro:

 


IV

 

Outro fantasma, a glória,

 

Da passada visão invade o posto.

 

Pelos mares risonhos da esperança

 

Ao batel do desejo abrindo as velas

 

Minh’alma foi buscá-lo.

 

De pintor bem falaz condão tem ele

 

Muito para temer; do entusiasmo

 

Nas lavas do vulcão acende o facho,

 

Que os desenhos lhe aclara: esposa amante,

 

Dá-lhe, a imaginação, seus cofres todos,

 

Donde tira estampas que copia

 

Nas telas do futuro. De seus quadros

 

Na beleza enlevada a viajante

 

Navega sem sentir.

 

Eis ponto negro

 

No azulado horizonte surge, e estende

 

Asas de tempestade! Às vistas magas

 

Reposteiro de ferro mão ignota

 

Rápido corre, e presto em lastro imenso

 

De aguçados cachopos se convertem

 

As aniladas ondas. Rola o lenho

 

Por sobre o pedregal, e mastro e leme,

 

Enrolados na vela espedaçada,

 

O sopro de um tufão some nos ares!

 

Rompendo a cerração espectro em osso

 

De repente aparece, sacudindo

 

Na destra uma mortalha: envolto nela

 

Desceu meu pai à campa!...

 

Musa, basta...

 

Pare-se um pouco aqui; nas tuas asas,

 

Que não neste papel, corra meu pranto...

 

Apara-o, anjo meu; depois os mares

 

Transpõe... o lar dos mortos não te assusta —

 

Não é assim? Pois bem, irmã querida,


 

 

 

6


 

Na terra — nossa mãe — suspende os vôos;

 

Busca a sombria região dos túmulos,

 

E lá, depois de um beijo dar na campa

 

De nosso amado pai, depõe sobre ela

 

Este pranto que verto.

 

Enfim bonança

 

Ímpia resplandeceu sobre os destroços

 

Que fez o vendaval. Único vivo,

 

Em pé sobre um rochedo, contemplei-os

 

E  ri-me... e neste riso agonizou-me A última esperança... foi a síntese

De minha vida inteira; — estreita fresta Por onde, desmaiada e quase morta,

Minh’alma um raio morno

 

De prazer sepulcral mandava ao mundo.

 

E o Gênio, que viu meu berço,

 

Dentre os cachopos surgiu,

 

E olhando os estragos riu,

 

Contente de minha dor.

 

Do Gênio estava completa

 

Toda inteira a profecia:

 

Era o que o Gênio dizia

 

No seu riso mofador.

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