quarta-feira, 10 de março de 2021

Poesia de Quinta na Usina: Laurindo Ribeiro:

 


O meu segredo IV

 

Mas esse tempo de encantos,

 

Que nunca julguei ter fim,

 

Não é hoje para mim

 

Mais que morta e seca flor!...

 

Do gênio mau completou-se

 

A primeira profecia:

 

Era o que o Gênio dizia

 

No seu riso mofador.

 

A  natureza calou-se Desde que o Gênio me viu; Minha alma inteira sentiu Repentina mutação,

 

Dei por mim em terra estranha; Tive novos pensamentos; Tive novos sentimentos; Criei novo coração.

 

Visão do Céu... não — da terra;

 

Não podia ser do Céu;

 

Que Deus no domínio seu

 

Falsos arcanjos não quer;

 

Visão, que da natureza

 

Toda a graça revestia,

 

Por desdita vi um dia

 

Num semblante de mulher.

 

Tinha a visão tal encanto,

 

Que, ao vê-la, absorto fiquei;

 

Tanto, que não escutei

 

O profundo soluçar

 

Da inocência, que, sentindo

 

Da paixão a ardente calma,

 

Abraçada com minh’alma

 

Se despedia a chorar.

 

Vida de louco passei;

 

Mas achei nessa loucura

 

Tanto bem — tanta ventura,

 

Quais nunca a razão me deu;

 

Que, se a razão da verdade

 

Tem os claros resplendores, —

 

Amor o reino das flores

 

Tem todo inteiro por seu.

 

E a esta senda estrepada,

 

Que à morte os seres conduz,

 

O que lhe importa uma luz,

 

Se a não tapiza uma flor?

 

E se amor, além de flores,

 

Também possui um clarão,

 

Antes amor sem razão,

 

Do que razão sem amor.

 

 

 

 

5


 

Mas foi-se o tempo de risos

 

Da minha feliz loucura!...

 

Libei o fel da amargura

 

No mel de um beijo traidor!...

 

Do Gênio mau completou-se

 

A segunda profecia:

 

Era o que o Gênio dizia

 

No seu riso mofador.

 

Dessa profunda chaga resta ainda

 

Dorida cicatriz: a mão do tempo

 

Talvez cure-a por fim; mas não tão cedo,

 

Que inda verte de si pútrido sangue,

 

Se a magoam cruéis reminiscências

 

De quadra tão feliz.

 

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