sábado, 11 de dezembro de 2021

Dante Alighieri: A Divina Comédia: Inferno:

 


E eu então: — “Fica em lodo mergulhado. Em dor, em pranto, espírito maldito!
39 Sei quem és, se bem stás desfigurado”. —
Tendeu à barca as mãos aquele aflito, Mas por Virgílio, que o repele presto
42 — “Com teus iguais vai, cão, te unir!” — foi dito.
Abraçando-me então com ledo gesto Me oscula e diz: — “Abençoado seja, 45 Quem tão altivo te gerou e honesto!
“Essa alma, que de orgulho inda esbraveja, Avessa ao bem, de raiva possuída,
48 Deixou em si memória, que negreja.
Quantos reis, grandes na terrena vida, Virão, quais cerdos, se atascar no lodo, 51 Fama de si deixando poluída!” —
— “Mestre, grato me fora sobremodo Vê-lo no ceno mergulhar profundo,
54 Antes de eu ter daqui saído em todo”. —
— “Antes que a margem — respondeu jocundo — Avistes, gozarás dessa alegria,
57 Verás penar o espírito iracundo”. —
E logo ao pecador, como à porfia, Tanta aflição causou a imunda gente,
60 Que ainda louvo a Deus, que o permitia.
Gritavam todos: — “A Filipe Argenti!” — E a florentina sombra, se volvendo
63 Contra si, se mordia insanamente:
Lá o deixei, não mais nele entendendo. Súbito, ouvindo um lamentar amaro, 66 Os olhos fitos para além e atendo.
E o bom Mestre me disse: — “Ó filho caro, Stá perto Dite, de Satã cidade,
69 Que há povo infindo para o bem avaro”. —
— “Lá do vale no fundo em quantidade Mesquitas” — respondi — “rubras discerno 72 De flama, creio, pela intensidade”. —
E o Mestre a mim: — “As faz o fogo eterno Vermelhas, que lá dentro está lavrando
75 Como tens visto neste baixo inferno”. —
Já nos profundos fossos penetrando De que o triste alcáçar é circundado,
78 Me estavam ferro os muros semelhando.

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