quinta-feira, 28 de abril de 2022

A Divina Comédia: Dante Alighieri:



“Cuidas” — bradou-lhe o sábio incontinente 
— “Ser de Atenas o príncipe, o que à morte
18 Lá sobre a terra te arrojou valente?
“Arreda, bruto! Que este é de outra sorte; 
Da tua irmã não recebera ensino;
21 De vós outros vem ver a pena forte”.
Qual touro desprendido, quando o tino Mortal golpe lhe rouba, 
que não pode 24 Correr, mas salta a vacilar mofino:
Assim o Minotauro. O Mestre acode Dizendo-me:
 “Demanda presto a entrada
27 E desce, enquanto em vascas se sacode”. —
A quebrada descíamos formada
De pedras soltas; cada qual, movida,
30 Cedia, em sendo por meus pés calcada.
E eu cismava. Ele disse: 
— “Tens sorvida A mente na ruína, que do horrendo
33 Monstro a ira defende já vencida.
“Deves saber que, de outra vez descendo 
Até o extremo lá do baixo inferno,
35 Esta rocha não vi, como a estás vendo,
“Mas, pouco antes de vir se bem discerno, 
Aquele que há tomado a grande presa,
39 A Dite, lá no círculo superno,
“Deste val tremeu tanto a profundeza, 
Que sentisse pensei todo o universo
42 O amor, com que alguém diz ter certeza
“De que ao caos muita vez será converso. Foi aqui, 
noutras partes, nesse instante, 
45 Roto o velho penhasco em treva imerso.
“Mas olha o vale: o rio é não distante 
De sangue, onde verás fervendo aquele, 
48 Que violência exerceu no semelhante.
“Ó ira louca, ó ambição, que impele
Na curta vida nossa, ao inferno arrasta
51 E para sempre nos submerge nele!” —
Eis uma cava divisei mui vasta,
Que abrangia, arqueada, o plano inteiro,
54 Como dissera quem do mal me afasta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário