domingo, 7 de agosto de 2022

Crônicas de Segunda na Usina: Lima Barreto: País rico:


Não há dúvida alguma que o Brasil é um país muito rico. Nós que nele vivemos; não nos apercebemos bem disso, e até, ao contrário, o supomos muito pobre, pois a toda hora e a todo instante, estamos vendo o governo lamentar-se que não faz isto ou não faz aquilo por falta de verba. 
Nas ruas da cidade, nas mais centrais até, andam pequenos vadios, a cursar a perigosa universidade da calariça das sarjetas, aos quais o governo não dá destino, o os mete num asilo, num colégio profissional qualquer, porque não tem verba, não tem dinheiro. É o Brasil rico... 
Surgem epidemias pasmosas, a matar e a enfermar milhares de pessoas, que vêm mostrar a falta de hospitais na cidade, a má localização dos existentes. Pede-se à construção de outros bem situados; e o governo responde que não pode fazer porque não tem verba, não tem dinheiro. E o Brasil é um país rico. 
Anualmente cerca de duas mil mocinhas procuram uma escola anormal ou anormalizada, para aprender disciplinas úteis. Todos observam o caso e perguntam: 
- Se há tantas moças que desejam estudar, por que o governo não aumenta o número de escolas a elas destinadas? 
O governo responde: 
- Não aumento porque não tenho verba, não tenho dinheiro. 
E o Brasil é um país rico, muito rico... 
As notícias que chegam das nossas guarnições fronteiriças, são desoladoras. Não há quartéis; os regimentos de cavalaria não têm cavalos, etc., etc. 
- Mas que faz o governo, raciocina Brás Bocó, que não constrói quartéis e não compra cavalhadas? 
O doutor Xisto Beldroegas, funcionário respeitável do governo acode logo: 
- - Não há verba; o governo não tem dinheiro. 
- - E o Brasil é um país rico; e tão rico é ele, que apesar de não cuidar dessas coisas que vim enumerando, vai dar trezentos contos para alguns latagões irem ao estrangeiro divertir-se com os jogos de bola como se fossem crianças de calças curtas, a brincar nos recreios dos colégios. 
O Brasil é um país rico... 
Marginália, 8-5-1920

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