domingo, 7 de agosto de 2022

Crônicas de Segunda na Usina: Machado de Assis: 15 DE ABRIL DE 1863:



O mavioso Petrarca da Vila Rica deixou uma vez as liras apaixonadas, com que honrava a amante do seu coração, para tomar a chibata da sátira, e com ela sacudir a toga respeitada do governador de Minas. 
O que era um governo no tempo de el-rei nosso senhor, de que poderes discricionários se revestiam o representante da soberania da Coroa, é coisa por demais sabida. 
O de Minas estava naquele tempo nas mãos de D. Luiz Menezes. Gonzaga viu quantos perigos lhe estavam iminentes se atacasse face a face com o colosso do poder; mas a vida e a administração do governador estavam pedindo um protesto da sua musa. Resolveu escrever a parte anedótica do governo de Minas em cartas que intitulava Cartas Chilenas e que visavam um governador do Chile. Com esse disfarce pôde salvar-se e mandar à posteridade mui preciosos documentos. 
Ao Sr. Dr. Luiz Francisco da Veiga se deve a exumação das Cartas Chilenas, mal e insuficientemente conhecidas, e que o digno brasileiro tirou da biblioteca de seu pai para pô-las completas na biblioteca da nação. 
Este serviço às letras e à história dá-lhe pleno direito de aliar seu nome ao de uma tão importante obra. Se, em vez de ir parar às suas mãos inteligentes e desveladas, os manuscritos das Cartas Chilenas caíssem na posse de alguns indiferentes, certo que não teríamos hoje esses documentos, de cuja importância o Sr. Dr. Veiga se acha plenamente convencido. 
Embora publicadas umas nove cartas em uma gazeta antiga, o fato de serem elas treze torna esta edição, que as traz completas, digna do interesse que despertou nos que estimam as coisas pátrias. Que esses animem e auxiliem o Sr. Dr. Veiga na investigação dos preciosos documentos de que diz estar cheia a sua biblioteca. Se para os éplucheurs de obras fúteis for serviço esse de medíocre valor e nulo interesse, certo que o não é para a gente séria, isto é, a competente para julgar de tais coisas. 
Outra publicação da quinzena, digna de atenção pelo que encerra, posto que censurável pelo que não encerra, é o XI volume da Biblioteca Brasileira que se intitula: - Apontamentos históricos, topográficos e descritivos da cidade de Paranaguá, pelo Sr. Demetrio Acácio Fernandes da Cruz. 
Abstendo-se inteiramente de considerações detidas e observações mais profundas, o autor dá numerosa notícia de tudo quanto pode fazer conhecer a cidade de Paranaguá sob o tríplice ponto de vista indicado pelo título. 
Tudo, fundação, descrição topográfica e hidrográfica, zoológica, mineralogia, indústria, população, tudo enfim quanto pode dar um conhecimento exato da cidade de Paranaguá se acha naquele livro. 
Atendendo, sobretudo à aridez do trabalho, deve-se agradecê-lo ao autor, e dar como um exemplo a outros trabalhadores que façam o mesmo a respeito de todos os recantos do império. 
Fecha a lista das publicações, na ordem cronológica, o primeiro volume do Calabar, romance do Sr. Mendes Leal, que está sendo publicado no Correio Mercantil. 
Não me proponho a avaliar, por incompetência e por inoportunidade, visto que a obra não está concluída, o alcance e a verdade histórica desta novela; o que desde já posso deixar afirmado, embora não seja novidade, é que essas páginas consagradas pelo ilustre autor da Herança do Chanceler a um período importante da história brasileira, são escritos com aquele vigor e colorido, atributos da sua pena e por tantas páginas derramadas. 
A redação do Correio Mercantil não pode receber senão muitos emboras pela publicação do Calabar. 
Vai-me faltando espaço e eu devo falar ainda de uma nova peça representada no Ginásio Dramático. A ninhada de meu sogro intitula-se ela; é dividida em 3 atos, e parafraseada do francês pelo Sr. Dr. Augusto de Castro. 
A modéstia e o receio do seu autor, que nem ousou chamar-lhe comédia, tiram- me o cabimento de uma severa crítica. Sem outra pretensão mais do que fazer rir, o Sr. Dr. A. de Castro, parafraseou o original francês, procurando dar as nuanças necessárias à nova peça cuja ação faz passar na sociedade brasileira. 
Não entro na investigação do grau e da medida em que o autor se afastou ou aproximou do original; é claro que as alusões locais não constituem cores locais, e o que ouvi na representação da Ninhada de meu sogro, não me dá notícia perfeita da parte tomada ou deixada à comédia francesa, que eu nem conheço. 
O que importa, porém, desde já para mim, é a menção de uma convicção que tenho de há muito e que desejara que fosse compartida geralmente. Tenho esses trabalhos de imitação por inglórios. 
O que se procura no autor dramático é, além das suas qualidades de observação, o grau de seu gênio inventivo; as imitações não podem oferecer campo a esse estudo, e tal inconveniente é altamente nocivo ao escritor, senão imensamente prejudicial à literatura. 
Esta convicção se influi no meu julgamento da peça, não influi no juízo que eu possa fazer do autor. Quero crer que, por uma lealdade literária que lhe é imposta, a transladação do assunto da comédia francesa fosse feita na medida conveniente às suas vistas de autor dramático; e creio, porque ouvi, que há na sua comédia pedaços de merecimento.

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