sábado, 4 de dezembro de 2021

Contos do Sábado na Usina: Artur Azevedo: A Arthur de Mendonça III: A FILHA DO PATRÃO:


Para que o conto acabasse a contento da maioria dos meus leitores, o comendador Ferreira deveria perdoar aos dois namorados, e tratar de casá-los sem perda de tempo; mas infelizmente as coisas não se passaram assim, e a moral, como vão ver, foi sacrificada ao egoísmo. 
Com a resolução de quem longamente se preparara para o que desse e viesse, o comendador tirou do bolso um revólver e apontou-o contra o raptor de sua filha, vociferando: 
— Seu biltre, ponha-se imediatamente no olho da rua, se não quer que lhe faça saltar os miolos!... 
A esse argumento intempestivo e concludente, o namorado, que tinha muito amor à pele, fugiu como se o arrebatassem asas invisíveis. 
O pai foi fechar a porta, guardou o revólver, e, aproximando-se de Adosinda, que, encostada ao piano, tremia, como varas verdes, abraçou-a, beijou-a com um carinho que nunca manifestara em ocasiões menos inoportunas. 
A moça estava assombrada; esperava pelo menos a maldição paterna; era, desde pequenina, órfã de mãe, e habituara-se às brutalidades do pai; aquele beijo e aquele abraço encheram-na de confusão e pasmo. 
O comendador foi o primeiro a falar: 
— Vês? disse ele, apontando para a porta: vês? O homem por quem abandonaste teu pai é um covarde, um miserável, que foge diante de um cano de um revólver! Não é um homem!... 
— Isso ele é, murmurou Adosinda baixando os olhos, ao mesmo tempo que duas rosas lhe desfaziam a palidez do rosto. 
O pai sentou-se no sofá. chamou a filha para perto de si, fê-la sentar-se nos seus joelhos, e, num tom de voz meigo e untuoso, pediu-lhe que esquecesse do homem que a raptara, um trocatintas, um leguelhé que lhe queria o dote, e nada mais; pintou-lhe um futuro de vicissitudes e misérias, longe do pai que a desprezaria se semelhante casamento se realizasse, desse pai que tinha exterioridades de bruto, mas no fundo era o melhor, o mais carinhosos dos pais. 
No fim da catequese, a moça parecia convencida de que nos braços de Borges não encontraria realmente toda a felicidade possível; mas... 
— Mas agora... é tarde, balbuciou ela; e voltaram-lhe à face as purpurinas rosas de ainda há pouco. 
— Não; não é tarde, disse o comendador; conheces o Manoel, o meu primeiro caixeiro do armazém? 
— Conheço: é um enjoado. 
— Qual, enjoado! É um rapaz de muito futuro no comércio, um homem de conta, peso e medida! Não descobriu a pólvora, não faz versos, não é janota, mas tem um tino para o negócio, uma perspicácia que o levará longe, hás de ver! 
E durante um quarto de hora o comendador Ferreira gabou as excelências do seu caixeiro Manoel. Adosinda ficou convencida. 
A conferência terminou por estas palavras: 
— Falo-lhe? 
— Fale, papai.

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