domingo, 15 de agosto de 2021

Crônicas de Segunda na Usina: Auridan Dantas: CRÔNICA DO COTIDIANO – A CIRURGIA - O INÍCIO DE UMA SAGA:

 


Você já se internou em hospital para fazer cirurgia? Ainda não? Dê graças a Deus. 
Minha cirurgia foi agendada para as 13h, e a orienta- ção era de chegar ao hospital às 10h, e em jejum. Um cidadão do meu tamanho e com um bucho em progressão geométrica, ficar esse tempo todo sem alimento é de lascar. Mas foi o jeito. 
Cheguei como um autêntico nordestino britânico, às 10h, e o hospital tinha duas recepções. Numa delas, tinha um letreiro bem grande - INTERNAMENTO. Ao me dirigir à atenden- te desta recepção, ela perguntou: é internamento? Se eu fosse “Seu Lunga”, ou estivesse com o espírito dele, já ia bagunçar logo de cara. Mas o cidadão, quando está indo para uma cirur- gia, já vai em jejum e nervoso, e fica mais fraco do que caldo de biloca. É o popular (com todo respeito) extrato de pó de peido. 
Então, entreguei minha documentação e todos os exa- mes, incluindo os do ano passado (pois deveria ter feito esta cirurgia em 2012, mas afrouxei), e haja assinatura, digital, assine aqui, rubrique ali, digital de novo, enfim. 
Ao concluir, a atendente pediu que eu aguardasse que um maqueiro viria me levar ao apartamento. Em instantes, chega o maqueiro, pega a documentação na recepção, dá uma lida rápida e chama o meu nome. 
Ops, sou eu. 
E ele pergunta: é possível ir andando? (deve ter lido que a cirurgia era de joelho). Como eu já estava de pé, ficou difícil dizer que não. Perdi a chance de ir de cadeira de rodas. Mas quem foi me visitar sabe do que vou falar: o apartamento era o último, da última ala e do último corredor. Ao chegar, só não desconfiei que estivesse na porta do céu porque a imagem ao lado da porta era de Santa Terezinha, e não de São Pedro. 
O maqueiro abriu a porta e apresentou tudo do apar- tamento, informando que depois viria me buscar para levar ao centro cirúrgico. Nesse tempo de espera, a ansiedade é grande e surgem muitas ideias, inclusive a de fugir. Às12h, chega o maqueiro, me entrega três pequenos pacotes e informa: um é a proteção para os pés, outro é a proteção para a cabeça e o último é a bata. A bata deve ser vestida com a abertura para trás. 
Então eu disse: meu amigo, a cirurgia é de joelho, e não de hemorroidas. E ele disse que era assim, devido à anes- tesia nas costas - a tal da raqui. 
Assim sendo, começou a sacanagem. A população está ficando cada vez mais alta - é só olhar para os nossos filhos, mas as organizações não pensam nisso. Ao colocar a proteção dos pés, fiquei com o dedão e o vizinho voltados para cima, igual a sapato de palhaço, pois o tamanho era único, e o meu pé é 44/45, e largo que nem uma raiz de jacarandá. A proteção da cabeça ficou tão arrochada que fiquei com a marca de um capacete. Mas o pior foi a bata: tamanho único também, e não cobria nem o santo e nem o milagre. Ao sair do banheiro e en- trar no quarto com ar-condicionado, me senti totalmente pelado no convés de um navio, com a proa e a polpa desabrigadas, e explorando a Antártida. Gelou até o cérebro. 
Mas ainda ficou pior. Tive que sair do apartamento nestes trajes e deitar na maca (50 cm de largura e 1,70m de comprimento - fiquei com os pés de fora) para percorrer o hospital quase todo e chegar ao centro cirúrgico (lembra-se da distância do apartamento?). Ainda bem que o maqueiro me deu um lençol, senão o “recreador” ia conhecer o teto do hospital junto comigo. 
Por que estou contando isso? Não sei. 
Só sei que foi assim.

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