quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Poesia de Quinta na Usina: Fagundes Varela:

 




- 1861. TRISTEZA

Eu amo a noite com seu manto escuro 
De tristes goivos coroada 
a fronte Amo a neblina que pairando ondeia 
Sobre o fastígio de elevado monte.

Amo nas plantas, que na tumba crescem,
De errante brisa o funeral cicio:
Porque minh’alma, como a sombra, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio.

Amo a desoras sob um céu de chumbo,
No cemitério de sombria serra,
O fogo-fátuo que a tremer doideja
Das sepulturas na revolta terra.

Amo ao silêncio do ervaçal partido
De ave noturna o funerário pio,
Porque minh’alma, como a noite, é triste,
Porque meu seio é de ilusões vazio.

Amo do templo, nas soberbas naves,
De tristes salmos o troar profundo;
Amo a torrente que na rocha espuma
E vai do abismo repousar no fundo.

Amo a tormenta, o perpassar dos ventos,
A voz da morte no fatal parcel,
Porque minh’alma só traduz tristeza,
Porque meu seio se abrevou de fel.

Amo o corisco que deixando a nuvem
O cedro parte da montanha, erguido,
Amo do sino, que por morto soa,
O triste dobre na amplidão perdido.

Amo na vida de miséria e lodo,
Das desventuras o maldito seio,
Porque minh’alma se manchou de escárnios,
Porque meu seio se cobriu de gelo.

Amo o furor do vendaval que ruge,
Das asas negras sacudindo o estrago;
Amo as metralhas, o bulcão de fumo, 
De corvo as tribos em sangrento lago.

Amo do nauta o doloroso grito
Em frágil prancha sobre mar de horrores,
Porque meu seio se tornou de pedra,
Porque minha’alma descorou de dores.

O céu de anil, a viração fagueira,
O lago azul que os passarinhos beijam,
A pobre choça do pastor no vale,
Chorosas flores que ao sertão vicejam,

A paz, o amor, a quietação e o riso
A meus olhares não têm mais encanto,
Porque minh’alma se despiu de crenças,
E do sarcasmo se embuçou no manto.

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