quinta-feira, 6 de janeiro de 2022

Poesia de Quinta na Usina: Fagundes Varela:

 




ELEGIA

A noite era bela - dormente no espaço
A lua soltava seus pálidos lumes;
Das flores fugindo, corria lasciva
A brisa embebida de moles perfumes.

Do ermo os insetos zumbiam na relva, 
As plantas tremiam de orvalho banhadas,
E aos bandos voavam ligeiras falenas
Nas folhas batendo com as asas douradas.

O túrbido manto das névoas errantes
Pairava indolente no topo da serra;
E aos astros - e às nuvens perfumes - sussurros,
Suspiros e cantos partiam da terra.

Nós éramos jovens - ardentes e sós,
Ao lado um do outro no vasto salão;
E as brisas e a noite nos vinham no ouvido
Cantar os mistérios de infinda paixão!
Nós éramos jovens - e a luz de seus olhos

Brilhava incendida de eternos desejos,
E a sombra indiscreta do níveo corpinho
Sulcava-lhe os seios em brandos arquejos!
Nós éramos jovens - e as balsas floridas

O espaço inundavam - de quentes perfumes,
E o vento chorava nas tílias do parque,
E a lua soltava seus tépidos lumes!...
Ah! mísero aquele que as sendas do mundo

Trilhou sem o aroma de pálida flor,
E à tumba declina, na aurora dos sonhos,
O lábio inda virgem dos beijos de amor!
Não são dos invernos as frias geadas,

Nem longas jornadas que os anos apontam.
O tempo descora nos risos e prantos,
E os dias do homem por gozos se contam.

Assim nessa noite de mudas venturas,
De louros eternos minh’alma enastrei;
Que importa-me agora martírios e dores,
Se outrora dos sonhos a taça esgotei?

Ah! lembra-me ainda! - nem um candelabro
Lançava ao recinto seu brando clarão,
Apenas os raios da pálida lua
Transpondo as janelas batiam no chão.

Vestida de branco - nas cismas perdida,
Seu mórbido rosto pousava em meu seio,
E o aroma celeste das negras madeixas
Minh’alma inundava de férvido anseio.

Nem uma palavra seus lábios queridos
Nos doces espasmos diziam-me então:
Que valem palavras, quando ouve-se o peito
E as vidas se fundem no ardor da paixão?

Oh! céus! eram mundos... ai! mais do que mundos
Que a mente invadiam de etéreo fulgor!
Poemas divinos - por Deus inspirados,
E a furto contados em beijos de amor!

No fim do seu giro, da noite a princesa
Deixou-nos unidos em brando sonhar;
Correram as horas - e a luz da alvorada
Em juras infindas nos veio encontrar!

Não são dos invernos as frias geadas,
Nem longas jornadas que os anos apontam...
O tempo descora nos risos e prantos,
E os dias do homem por dores se contam!

Ligeira... essa noite de infindas venturas
Somente em minh’alma lembranças deixou...
Três meses passaram, e o sino do templo
À reza dos mortos os homens chamou!
Três meses passaram - e um lívido corpo

Jazia dos círios à luz funeral,
E, à sombra dos mirtos, o rude coveiro
Abria cantando seu leito afinal!...
Nós éramos jovens, e a senda terrestre

Trilhávamos juntos, de amor a sorrir,
E as flores e os ventos nos vinham no ouvido
Contar os arcanos de um longo porvir!
Nós éramos jovens, e as vidas e os seios,

O afeto prendera num cândido nó!
Foi ela a primeira que o laço quebrando
Caiu soluçando das campas no pó!
Não são dos invernos as frias geadas,

Nem longas jornadas que os anos apontam,
O tempo descora nos risos e prantos,
E os dias do homem por dores se contam!

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