sexta-feira, 4 de novembro de 2022

Contos do Sábado na Usina: Artur Azevedo:

 



A ÁGUA DE JANOS II 

O tenente Remígio Soares foi para casa, em São Cristóvão, e passou o resto da noite agitadíssimo, - pudera! Às dez horas da manhã atravessava já o Rio Comprido ao trote do seu cavalo! 
Mas - que contrariedade! - as janelas de Dona Andréa estavam fechadas... 
O cavaleiro foi até a rua de santa Alexandrina e voltou - patati, patatá, patati, patatá! - e as janelas não se tinham aberto... 
O passeio foi renovado à tarde, - o tenente passou, tornou a passar, - continuavam fechadas as janelas... Malditas janelas! 
Durante quatro dias o namorado foi e veio a cavalo, a pé, de bonde, fardado, à paisana: nada! Aquilo não era uma casa: era um convento! 
Mas ao quinto dia - oh, ventura! - ele viu sair do convento um molecote que se dirigia para a venda próxima. Não refletiu: chamou-o de parte, untou-lhe as unhas e interpelou-o. 
Soube nessa ocasião que ela se chamava Andréa. Soube mais que o marido era empregado público e muito ciumento! proibia expressamente a senhora de sair sozinha e até chegar à janela quando ele estivesse na rua. Soube, finalmente, que havia em casa dois Cérberos: uma tia do marido e um jardineiro muito dedicado ao patrão. 
Mas o providencial moleque nesse mesmo dia se encarregou de entregar a dona Andréa uma cartinha do inflamado tenente, e a resposta - digamo-lo para vergonha daquela formosa desmiolada - a resposta não se fez esperar por muito tempo. 
“Pede-me uma entrevista, e não imagina como desejo satisfazer a esse pedido, porque também o amo. Mas uma entrevista como?... onde?... quando?... Saiba que sou guardada à vista por uma senhora de idade, tia dele, e por um jardineiro que lhe é muito dedicado. Pode ser que um dia as circunstâncias se combinem de modo que nos possamos encontrar a sós... Como há um Deus para os que se amam, esperemos que chegue esse dia: até lá, tenhamos um pouco de paciência. Mande-me dizer onde de pronto o poderei encontrar no caso de ter que preveni-lo de repente. O moleque é de confiança.” 
Na esperança que o grande dia chegasse, o tenente Remígio Soares mudou-se imediatamente para perto da casa de dona Andréa: procurou e achou um cômodo de onde se via, meio encoberta pelo arvoredo, a porta da cozinha do objeto amado. Dessa porta dona Andréa fazia-lhe um sinal convencionado todas as vezes que desejava enviar uma cartinha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário