A ÁGUA DE JANOS IV
Os leitores - e principalmente as leitoras - me desculparão de não por no final deste conto um grão de poesia: tenho de conclui-lo um pouco à Armand Silvestre. Em todo caso, verão que a moral não é sacrificada.
O meu herói andava já obcecado, menos pelo que acreditava ser o seu amor, que pelos dezoito meses de longa expectativa e lento desespero.
Um dia, o Barroso, seu amigo íntimo, seu confidente, foi encontrá-lo muito abatido, sem ânimo de se erguer da cama.
— Que tens tu?
— Ainda mo perguntas...
— Tem paciência: Jacob esperou quatorze anos.
— Esta coisa tem-me posto doente. Bem sabes que eu gozava de uma saúde de ferro... Pois bem, neste momento a cabeça pesa-me uma arroba... tenho tonteiras!...
— Isso é calor: a tua Andréa não tem absolutamente nada que ver com esses fenômenos patológicos. Queres um conselho? Mandas buscar ali à botica uma garrafinha de água de Janos. É o melhor remédio que conheço para aliviar a cabeça.
O tenente aceitou o conselho, e o Barroso despediu-se dele depois que o viu esvaziar um bom copo da benemérita água.
Vinte minutos depois dessa libação desagradável, Remígio Soares viu assomar ao longe, na porta da cozinha, o vulto airoso de dona Andréa, anunciando-lhe uma carta.
Pouco depois entrava o molecote e entregava-lhe um bilhete escrito às pressas.
“A velha amanheceu hoje com febre e não sai do quarto. O jardineiro foi à cidade chamar um médico de confiança dela. Vem depressa, mal recebas este bilhete: há de ser já, ou nunca o será talvez.”
O tenente soltou um grito de raiva: a água de Janos começava a produzir os seus efeitos fatais; era impossível acudir ao doce chamado de dona Andréa!
Era impossível também confessar-lhe a causa real do não comparecimento: nenhum namorado faria confissões dessa ordem...
O mísero pegou na pena, e escreveu, contendo-se para não fazer outra coisa:
“Que fatalidade! Um motivo poderosíssimo constrange-me a não ir... Quando algum dia haja certa intimidade entre nós, dir-te-ei qual foi esse motivo, e tenho certeza que me perdoarás.”
Dona Adélia não perdoou. O tenente Remígio Soares nunca mais a viu.
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